naperon

Duas boas amigas juntam-se para desarrumar os bibelots.

sexta-feira, outubro 22, 2004

Criar factos políticos

Hoje fui comprar o jornal Público (obrigatório às sextas principalmente por causa do Inimigo Público) a um quiosque nas traseiras de Santa Apolónia. Foi a primeira e a última vez. O quiosque é mal frequentado.
Passo a explicar.
Parei o carro ao lado do quiosque. Estavam dois sujeitos sentados a apanhar sol cá fora (hoje está um dia lindo). Pedi o Público àquele que não me pareceu tão retardado. Ele levantou-se, atendeu-me bem e, durante o processo de pedir, receber o jornal, pagar, receber o troco, o outro sujeito levantou-se para acompanhar o que me estava a atender e continuar a sua conversa.
Ponto um: odeio pessoas que, quando uma pessoa se desloca, vão atrás para continuar a falar.
Ponto dois: a conversa. Ele lá começou: "O Durão Barroso disse que para os homossexuais não há nada" (pausa dramática em que pensei do que estará ele a falar?) para depois acrescentar "Para os paneleiros não há nada. Não têm direito a nada. Nem a reforma. Nem a segurança social. Nem a trabalho. São..." E fui-me embora antes de ouvir mais alguma alarvidade do sujeito, que até sabia pronunciar homossexuais e Durõa Barroso.
Pensei, já dentro do carro, que o homem só podia estar louco. Assustei-me um bocado, porque sei que estamos perante um governo fascizóide e perigoso, mas o Durão está na Europa e lá eles estão mais controladinhos nas "inutilidades e disparates" que dizem. Não podia ser, é claro. Enquanto conduzia, tentava perceber de onde teria vindo aquela ideia do homem.
Tinha comprado o jornal. Essa era a minha vantagem. Enquanto bebia o café, pus-me à procura de alguma notícia cujo título fosse "Durão revela a sua homofobia e pretende internamento de todos os europeus que já tenham tido relações íntimas com pessoas do mesmo sexo" ou, pronto, algo semelhante.
Obviamente não encontrei nada!
Encontrei, sim, a verdadeira notícia, cujo link vos indico (cliquem no título do post). De facto, neste momento, o Durão anda a suar com a sua comissão, nomeadamente com a nomeação de Rocco Buttiglione como comissário para a Justiça, Liberdade e Segurança, que está a causar polémica junto da esquerda. Porquê? Porque o senhor italiano tem posições sobre a imigração e sobre a homossexualidade bastante graves. Nomeadamente, de que a homossexualidade é um pecado e que deve ser vista com compaixão. O senhor é considerado um dos grandes amigos do Papa. E está tudo dito quanto à sua posição sobre os homossexuais.
Não me queria alongar muito nesta questão. Já muito foi escrito e muito ainda se irá escrever sobre este assunto. Diria apenas que dar a pasta da Liberdade a um sujeito com uma visão moralista da mesma é um grande perigo para a Europa e para todos nós. E se for preciso fazer cair alguns dos pilares levantados, eles que caiam em nome, sim, da Liberdade - pois uma Europa construída à custa destes compromissos não é a minha Europa nem a de muitos.
Mas o meu post não é sobre isso. É sobretudo sobre a voz do povo. Aquele senhor, sentado ao lado do homem do quiosque, tinha uma versão da notícia totalmente falsa, a não ser que ande a trocar impressões com o Durão. A notícia na boca daquele senhor era: "O Durão Barroso disse que os paneleiros não têm direito a nada".
A isso, não consigo ficar indiferente. É isso que me assusta, mais ainda que o autismo de certos políticos. A criação de um facto político é isto, qual Marcelo Rebelo de Sousa!
A leitura de uma notícia pode ser assim tão subjectiva? Antes da manipulação dos media, vem a manipulação dos nossos preconceitos e dos nossos valores. É naquele homem que reside uma parte da voz do povo. A sua leitura da notícia é aquilo em que na verdade ele deve acreditar: os homossexuais não deviam ter direito a nada.
Medo, indiferença ou simplesmente indignação? Temos de decidir-nos diariamente no meio da rua, a todo o instante em que as bardoadas são mandadas para o ar.
E acreditar que a nossa também é uma parte da voz do povo.

7 Comments:

  • At 1:18 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    Boa!

    Beijo,
    Dina

     
  • At 3:10 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    "tento na lingua"... estes textos estão demasiado longos!

     
  • At 3:51 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    começa é a andar de transportes que vais ver que o país ainda é mais surreal do que pensas

     
  • At 8:54 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    A Sandera é fascista.

    Quase que aposto que tem um caso com "o senhor do aquário".

     
  • At 12:47 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    rocco + bunda mole = filme porno

    um rocco nunca recusa uma bunda, por mais mole que seja.

     
  • At 12:45 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    Gostava de saber o porquê da srª Sandera apagar comentários.

    Revela um profundo desprezo da opinião alheia. Se não gosta de comentários, não tivessem dado essa opção aos utilizadores.

    Quem não sabe aguentar-se ao barulho foge, não é?

     
  • At 1:08 da tarde, Blogger ana vicente said…

    Para que conste: eliminamos os comentários que considerarmos inconvenientes a um nível estrutural. Não se trata da sra. sandera, mas da política do blog. Os comentários continuam disponíveis em todos os posts excepto num devido a um comentário perigoso. E continuarão a ficar. Pedimos desculpa aos outros comentadores que viram os seus comentários apagados, mas não tínhamos outra alternativa informática.
    Obrigada pelos vossos comentários e pela vossa leitura.
    by the way, se quiserem respostas adequadas é mais fácil se assinarem os comentários. Deixem-se de tretas!

     

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