naperon

Duas boas amigas juntam-se para desarrumar os bibelots.

sábado, julho 02, 2005

III. Roteiro gastronómico

A par da minha veia desportista que despertou nestas férias, veio com ela o seu lado negro. Não estou a falar das dores de músculos, porque essas até servem para nos estimular e encher o ego. Falo, sim, do apetite que vem a par da actividade física.

Talvez a culpa não seja só da actividade física. Talvez seja do sol, da praia, da atraente cozinha algarvia ou dos deliciosos pratos cozinhados aqui em casa. Talvez seja por que a única coisa que apetece fazer é mongar, seja fazendo desporto, escrevendo no computador, lendo, jogando xadrez, snooker ou matraquilhos. Seja bebendo café, uma imperial ou tomando um duche ao fim da tarde, apetece simplesmente mongar. E mongar neste caso não é não fazer nada, mas fazer tudo com uma sensação de tempo estendido (mesmo que seja rápido, como os duches, ou lento, como o xadrez). Em férias, as coisas têm outro tempo, um tempo demorado, que queremos arrastar até mais não. A urgência resume-se à vontade de fazer chichi, garanto-vos. Assim também é à mesa. Há tanto por onde escolher e muita vontade de demorar.

Que me perdoe a minha boa amiga Sandera, que sempre se irrita quando lhe decido dizer o que vou escolher para o almoço, mas enumero-vos algumas das preciosidades com que me tenho deparado. Vamos falar de comida.

Comecemos pelo pão. Haverá melhor pão que este? Alentejano ou algarvio, a verdade é que o pão desta zona foi feito por quem reconhece a sua verdadeira necessidade. Em Lisboa, nunca como pão. E quando digo nunca, é mesmo nunca (vá, uma vez por semana). O pão é obrigatório em todas as refeições. Seja da molhenga*, seja da fome que o desporto desperta e lá vai com manteiguinha antes de vir o comer*, seja do simples deleite de comê-lo seco, simplesmente porque é bom. No fundo, aqui, o pão é como o mar: há que aproveitá-lo, pois não encontraremos igual em mais lado nenhum. Pois tenho comido pão, para grande satisfação da glândula fanática dos hidratos de carbono que há em mim.

O Costa. Situado em Cacela Velha, o Costa é simplesmente um dos melhores restaurantes do mundo. Mal chegámos, toca de ir ao Costa. E para começar, toma lá um arroz de lingueirão (especialidade) e, pronto, uma cataplana de amêijoas (idem), que por acaso além das amêijoas tem também carnunga* e uma inacreditável molhenga* de tomate e pimentos. Oh Deus! E isso foi só no primeiro dia, porque voltámos lá hoje e ala de comer umas ameijoazinhas de entrada, seguidas por um sargo gigantesco decorado com coentros, alho e azeite. Como se não bastasse, desta vez, ‘bora lá experimentar as sobremesas, que isto de vir ao Algarve e não comer um docinho* não dá com nada. Pois bem, divididas por quatro lá vieram três sobremesas: tarte de alfarroba, tarte de figo e morgado de figo. Os doces do Algarve são consistentes, compactos e deliciosos. O Costa é, sem dúvida, um dos melhores restaurantes do mundo, responsável pelas mais completas sensações de enfartamento.

O petisco em geral. O peixe extraordinário. Os gelados feitos de forma tradicional. A fruta, pois aqui experimentei os primeiros figos de Verão e o verdadeiro pêssego de roer, amarelinho da minha predilecção. A imperial fresquinha. Tudo parece ser tentação fatal e não há como não se sentir assediado e dizer sim, sim, cedo com angústia ao prazer. Enfim, a culpa não é de nada disso, a culpa é da vontade, já dizia o Variações, e essa é que é essa. Até cadelinhas comprámos a um caçador/pescador/vendedor de praia. Até bacon com ovos comemos ao pequeno-almoço – saltei o pãozinho, pois há limites para a gula.

Numa palavra, mais uns dias no Algarve e a última frase que escrevi talvez perdesse o sentido, sabe Deus o que me poderia acontecer. Quase de regresso, sinto algum conforto no meu parco frigorífico e uma nostalgia irreprimível pelo abandono desta insuperável matéria-prima e sua extraordinária condimentação.

Algarve, 29 de Junho de 2005

*gíria aplicável em situações em que se fala de comida de forma gulosa.

1 Comments:

  • At 11:44 da manhã, Anonymous Anónimo said…

    Gosto disso tudo, mas ninguém me pode tirar a bela da sandoca da praia!!! Sabe tão bem depois do banho de mar!! Salsicha, alface, maionaise, paté de sardinha... atum... ai ca bom... e hoje estou de volta ao tupperware... juro que cheguei a pensar que trazer sandoca de praia com batatas fritas de pacote era melhor que o a carninha lá de casa.

    a.m.

     

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