naperon

Duas boas amigas juntam-se para desarrumar os bibelots.

quinta-feira, julho 14, 2005

Quando for grande, quero ser...

Ontem, na Gulbenkian, reencontrei uma antiga colega de escola que já não via, ui, há uns bons 10 anos. Como é típico nestas situações, e rejeitando eu a maternidade sanguínea da Criança que me puxava pela mão, perguntou-me o que fazia. Automaticamente dei a resposta da praxe - respondi que era... indicando a profissão, o emprego, que me paga o salário. Até aqui tudo bem, diriam vocês. Mas, não, digo eu. A verdade é que eu faço muito mais coisas que este emprego assalariado que tenho. Coisas muito mais importantes para mim e que gosto muito mais de fazer. E estou a falar a nível profissional, não estou a falar da natação ou de passear aos domingos.

Que raio de mania esta agora de as pessoas perguntarem o que é que fazes, como se isso as valorizasse. Que raio de mania a minha a de responder, como fui ensinada talvez ou por puro preconceito cultural, a dar a resposta válida para as finanças, para o inquérito de rua ou para um qualquer desconhecido. A dizer eu faço isto, porque recebo aquilo no final do mês por fazer isto.

Está visto que me despertou uma reflexão mais profunda sobre a minha vida, que tem estado latente em todas estas semanas seguidas de jackpot do Euromilhões. Normalmente, quando digo que sou... indicando a profissão, o emprego, que me paga o salário, faço uma careta. E as pessoas percebem que aquela careta quer dizer qualquer coisa. E depois fazem a pergunta que se segue à pergunta da praxe: mas o que é que isso tem a ver com Filosofia. Eu digo que nada tem a ver e várias vezes reafirmo que o curso de Filosofia não serve para nada. É uma piada, e digo-o como uma piada. Mas também é verdade, embora seja uma grande mentira. É complicado, está bem de ver.

Quando os meus amigos da outra área (a criativa e artística) me perguntam "então o que andas a fazer?", eu também respondo a trabalhar e tal, nada de especial, e depois é que me lembro do texto X que escrevi para o sítio Z, do projecto Y em que estou metida há quase dois anos ou do épico que escrevo lá por casa. Ou até mesmo o Naperon, coisa tão importante!

Pois bem, a verdade é que, embora saiba mesmo o que gosto de fazer, ainda ando às aranhas para descobrir o que quero fazer ou como chegar lá.

Tenho tido uma relação com os meus empregos sempre temporária, mesmo quando se torna claro que não tenho um emprego temporário, que até pode bem ser definitivo. Digo sempre "eu não sou isto, é só aquilo que faço". E por isso me maçam tanto essas perguntas... o que é que fazes? O QUE É QUE ISSO TE INTERESSA? A verdade é que não sei responder e bem posso fingir que faço este trabalho para que me pagam ou que trabalho em teatro e noutras coisas e bláblá, mas a verdade é que não sei o que faço. Porque não faço nada, não estou comprometida com nada, a não ser com aquilo que escrevo e isso está em tudo, até nesta porcaria de trabalho em que pagam todos os meses certinho...

Não vos disse que a filosofia não servia para nada?
Está bem de ver que é mentira: serve para me azucrinar a cabeça.

Da próxima vez que me perguntarem o que faço, juro que vou dizer que ainda estou a descobrir. Que não sei, que não faço ideia. A minha boa amiga aconselhou-me a treinar ao espelho: faço isto, mas também aquilo e aqueloutro. Hum...

1 Comments:

  • At 3:12 da tarde, Blogger ana said…

    percebo bem o que dizes

    agora, por acaso, até tenho orgulho naquilo que faço, e em explicá-lo pormenorizadamente para quem quiser ouvir.
    mas isto foi uma descoberta recente. durante os últimos 3 anos tenho dito, eh pá (como quem diz: pq é que fizeste essa pergunta?), é isto, está relacionado com aquilo, (como quem diz: pronto, já chega?) o que rapidamente calava o outro.

    a pergunta o que fazes tem muitas vezes algo de constrangedor, parece que estamos a ser avaliados.

    que estamos a desiludir a ideia que o outro tinha do que estariamos a fazer (se é que pensava em nós)

    e sem dúvida que tem algo de constrangedor, quando nos confronta com tudo o que podíamos andar a fazer com o nosso tempo e não conseguimos.

    mas sim, acho que tá na altura de alargar a quantidade de coisas que podemos responder nessa pergunta, falarmos não do trabalho pago mas sim do trabalho criativo que conseguimos fazer (felizes aqueles que conseguem sobrepor os dois) porque é o que "dignifica" a ideia que temos de nós.

    e, sabes que mais? acho mesmo fantástico que resistas, que continues a "trabalhar" nas coisas que gostas (o teu épico, naperon, etc) no tempo que sobra da tua "conquista" da independência económica.

    tb vou treinar ao espelho: "o que me dá os trocos é isto, mas aquilo que me tem dado mesmo grande gozo fazer é aquilo. e tu, o que gostas de fazer?"

     

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