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Duas boas amigas juntam-se para desarrumar os bibelots.

quarta-feira, agosto 03, 2005

A boa pessoa mau carácter (post cáustico)

Existe uma espécie de pessoa que é a boa pessoa mau carácter.

A boa pessoa mau carácter é uma pessoa com bom fundo, a chamada boa pessoa, que no fundo não tem espinha dorsal e, por causa disso, faz montes de merda.

Como reconhecer uma boa pessoa mau carácter? Não é fácil. Porque normalmente temos alguma simpatia por ela, já que de facto é boa pessoa e é difícil dizermos para nós mesmos que a pessoa é fraca e não vale grande coisa. Mas consegue-se apanhá-la, porque mais cedo ou mais tarde ela revela a sua verdadeira condição.

A boa pessoa mau carácter normalmente está calada, parada, intacta. Tem dificuldade em dizer o que sente e o que pensa. Pensamos que podemos confiar nela exactamente por ser boa pessoa. Mas como a boa pessoa mau carácter não consegue dizer-nos exactamente o que pensa e sente, essa percepção é meramente intuitiva. Na verdade, a boa pessoa mau carácter está a asfixiar nela própria, enredada que está na sua própria fraqueza. Não consegue entrar em confrontos, foge dos conflitos como o diabo da cruz e, por isso, nunca toma uma posição. E, quando toma, ou é tarde de mais ou está longe de mais para levar com as consequências.

Porque a desculpa da boa pessoa mau carácter é a desculpa do sentir. E, como sabemos, quando o sentir é usado como desculpa, não é lá muito bom sinal.

A boa pessoa mau carácter é pior que um filho da puta, porque este reconhece-se à distância. A boa pessoa mau carácter não, mas o mais certo é que nos deixe na mão nos piores momentos. Que nos lixe sem intenção. Que trema o lábio quando se aperceber que fez merda. Que não assuma as consequências da sua posição, pois rapidamente a abandonará quando tiver de lutar por ela.

Gosto mais de filho da puta, a sério. Detesto ver qualidades e virtudes em pessoas fracas. Deixam de ter valor. Estamos aqui para ser livres, assumam-se. É que qualquer dia nem a pena conseguirão conquistar.

5 Comments:

  • At 4:39 da tarde, Blogger ana said…

    achas que as pessoas boas mau carácter se conhecem bem?

    eu acho que normalmente não, que se andam a tentar iludir a si mesmas de que são boas pessoas, mas até desconfiam que são umas cobardolas, e que isso mais tarde ou mais cedo vai dar merda.

     
  • At 4:50 da tarde, Blogger ana vicente said…

    Pois claro! A boa pessoa mau carácternão se conhece bem a si mesma. Engana-se nessa coisa e ser boa pessoa e, sim, no fundo no fundo, acho que não é boa pessoa, embora possa ter a intenção de sê-lo. É apenas uma pessoa fraca.

    Mas, sabes, há sempre aquela tendência de dizer: ah, até é boa pessoa, como se isso desculpasse alguma coisa ou fosse o mais importante.

    Acho que o que queria dizer é que o mais importante é mesmo o carácter, um bom carácter.

     
  • At 11:03 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    Foda-se! (pode-se escrever foda-se?)... Eu acho que... Bem... É melhor não dizer mais nada. Mas sempre digo que um dia eu estava num concerto dos pink floyd no qual não estive presente, era o The Wall, e o Roger perguntou "Are there any weaks in the audience tonight?" E eu disse: Yep! E então ele olhou para mim, sim, só para mim, e disse: This one is for you: Run like hell. E foi assim que o Roger me dedicou uma canção. E eu, que tenho mau carácter, ainda nem lhe agradeci. Resta-me a esperança de que talvez ele imagine que eu sou uma boa pessoa.

    Mas agora a sério: eu se calhar até sou uma boa pessoa, mas não gosto lá muito. E é um bocado por fraqueza que o sou. Eu queria mesmo era ter mau carácter. Não há cursos para isso. Deve haver. E livros do estilo: O filho da puta instantâneo. Alguns nascem ensinados, mas não desista leitor, você pode transformar-se num enorme filho da puta. Todos nós somos capazes. Basta querer.

    Isto tudo para dizer (mas agora estou-me a defender, portanto não levem esta parte a sério) que a questão é complexa. Pela forma como escreves parece que fraqueza equivale a mau carácter, ora isso não é verdade. (Deus, eu espero que isso não seja verdade). Depois talvez haja formas de força que são fraqueza e formas de fraqueza que são força. Um dia, num desses filmes antigos sobre a vida de Jesus, a imagens tantas, o Paulo diz num discurso edificante: "Sede fortes nas vossas fraquezas!" Nunca mais esqueci esta frase. Lembro-me que vasculhei a Bíblia à procura dela, e não a encontrei. Pois é, pelos vistos aquilo fazia parte apenas do guião do filme. E como se diz na canção que o Roger me dedicou: You better make your face up on your favorite disguise. E muitas vezes a suposta força é apenas isto. Uma máscara que se usa para escondermos as nossas próprias fraquezas. Já não gosto muito da parte "fascista" do The Wall de que esta música faz parte, mas às tantas ela é mesmo sobre isso, sobre a força que não passa da arma dos fracos para destruir a verdadeira força humana. Li recentemente num blog (http://www.sociocracia.blogspot.com/) este comentário: "A guerra surgiu para que uns tantos inábeis se pudessem apropriar das criações de outros mais cordatos e, por isso, mais criativos." (li o comentário citado num post e por isso não sei quem foi o assinou) que me deixou a pensar. Claro que agora os dados estão lançados (e viciados) e filha da putice só se pode pagar com filha da putice. É pena. Mas claro que se pode sempre dizer: tu estás é a defender-te. Mas foda-se (outra vez) também temos direito a isso, e afinal como canta a Bethânia cada um tem o seu jeito todo próprio de amar e de se defender.

    Mas, mudando de assunto, ou talvez não, acho que percebo ao tipo de pessoas a que te referes. Mas, se calhar também aí é um pouco perigoso generalizar. Se há filhos da puta mascarados de boas pessoas, se calhar também há boas pessoas mascaradas de filhos da puta. Mas se calhar estou a ser ingénuo (fraco). Tenho mesmo que me tornar mais filho da puta.

     
  • At 12:09 da manhã, Blogger ana vicente said…

    Talvez não me tenha feito entender. Não que me queira justificar... eheh!

    Mas não acho que te enquadres neste meu perfil. "Gosto" da citação da Bíblia (ou do filme) "Sede fortes nas vossas fraquezas!" e remete perfeitamente para o que queria dizer. Fraquezas todos nós temos. [Por amor de Deus, eu sou fã do Seinfeld]. Mas temos de assumir as nossas fraquezas com toda a nossa espinha. Odeio fugas, odeio virares de cara, odeio assobios para o ar. Não gosto disso em mim e, bem sei, que houve momentos em que fui fraca e desejava não tê-lo sido. Com certeza, voltará a acontecer-me, mas desejo e farei tudo o que puder para não o ser. E por fraca entendo isso, alguém que não tem carácter, que se justifica com nada, que não sabe o que quer, que não assume uma posição quando tem de assumi-la.

    Não ando à procura da perfeição. Nem sequer a defendo. Ando à procura da liberdade (ai que palavra me deste, jctp), mas principalmente procuro-a pelo combate ao medo.

    No fundo, falta de carácter é, para mim, mau carácter, acho que é isso. Não me pareces de todo alguém com falta de espinha dorsal.

    Fraquezas, amo-as perdidamente. Desde que se assumam em todo o teu ser.

    E isso de quereres ser filho da puta... apenas posso dizer que não acredito de todo que a filha de putice se combata com filha da putice.

    Podes dizer foda-se à vontade, não te preocupes.

     
  • At 12:27 da tarde, Blogger ana said…

    a mim parece-me que o post do jctp tem muito a ver com o tal poema em linha recta do alvaro de campos.

    sim, há que assumir as fraquezas, e assumir os ridículos, e perceber onde é que podemos ou não podemos ir com elas... nenhum de nós é super homem, embora esteja na moda fazermo-nos de tal, e tudo nos apele para isso... o politicamente correcto, a publicidade, os filmes e as séries onde há quase sp heróis e não humanos (o seinfeld da ana vicente e outros são a excepção)

    o problema é quando não somos honestos connosco nem com os outros, quando prometemos aos outros e a nós mais do que aquilo que podemos dar, simplesmente porque não sabemos dizer que não, porque temos medo do que um não possa trazer.

    e depois as traiçõezinhas tem que ser feitas pela calada... e isso sim, é falta de caracter.

    been there also.

     

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