naperon

Duas boas amigas juntam-se para desarrumar os bibelots.

terça-feira, setembro 13, 2005

Convidado sem blog - Dora Capinha

É dia 13. Já não há Conversa. Há Convidado sem Blog. Este mês, a nossa leitora (não comentadora) e grande amiga Dora Capinha abre este novo espaço do nosso Naperon, sem censuras só liberdade. Obrigada pela disponibilidade.

Não se pode dizer que não tenha tido tempo. Depois daquele primeiro jantar antes de férias, ainda houve o sms a confirmar – estava na praia ao sol e tudo me parecia maravilhoso – e depois o telefonema, já em Lisboa… E eu sempre a dizer que sim, mesmo quando me estenderam a mão amiga, feita possibilidade de sair enquanto podia... Mas não, que gostava muito, que honra, que prazer. E aqui estou, em cima do prazo e insone, porque deixei para amanhã e depois e depois o que poderia ter feito ontem, ou, no caso, até mesmo o mês passado…
Bem sei que os blogs são espaços de liberdade, de comunicação com o mundo, o sítio certo para deixar reflexões e mensagens para essa entidade filosófica que é o Outro, mas eu sou uma rapariga prosaica, gosto de telefone, emails e cafés na esquina, não tenho nada a comunicar ao mundo e não me parece que o Outro, provavelmente inteligente e sensato, esteja interessado em saber o que é que me apetece para o jantar.
No entanto, como recusar alguma coisa ao naperon.blogspot? Não foi só o medo de repercussões físicas (quem as conhece sabe do que falo), foi a gentileza de retribuir ao blog aquilo que o blog faz por mim, mantendo-me informada sobre as minhas caras amigas (não, a sério, foi o medo de repercussões físicas).
Por que tipo de post quero ser lembrada (no caso, esquecida)? Ligeiro, denso, extenso, pretérito, pretenso? Falo do país, do Katrina ou de mim? Que pena não estar na primária e isto ser a redacção das férias…
«As minhas férias foram boas. Este ano estive na praia com duas amigas, num sítio estrangeiro. O tempo estava bom e brincámos muito ao ar livre. A praia era limpa e o mar tinha peixinhos. Andámos de barco e fizemos amigos. Um dos amigos tinha um bar e oferecia-nos limonadas…».
Bom recomeço.


Dora Capinha

por lapso, enganei-me no texto. De seguida, temos a segunda investida da nossa convidada. Talvez a verdadeira redacção de férias... peço desculpa à Dora.

Trinta carinhas sentadas duas a duas. De frente, o quadro preto escrito a giz. O quadro é tão grande que parece impossível escrevê-lo de ponta a ponta. A luz amarelada, que vem de fora, coada pelas janelas velhas (as janelas estão do teu lado direito, a mão mais próxima da janela é a tua mão direita), faz uma espécie de foco que espalha luz e poeira sobre a parede onde está o mapa. Os cabelos, quase todos escuros, brilham mais desse lado. Há lápis novos em cima das mesas, os estojos, alguns, já estão riscados, as mochilas descansam perto da cadeira.
Lisboa, 13 de Setembro de 1982. Redacção. O tema é o das férias – é sempre – embora aqueles trinta ainda não o saibam. Começam ansiosos uns, desanimados já outros, por não encontrarem o que contar, ou só porque desaprenderam aquela palavra mais difícil do ano anterior. Três meses, três meses cheios de dias, cheios de manhãs e tardes, correrias, carros e bonecas e lanches de pão com manteiga. Não é assim tanto, para quem há ainda só um ano os ocupa com sílabas, somas e picotados pelos contornos.
Os meninos que têm terras escrevem sobre elas, sobre os caminhos de pedra, os banhos de regador, as galinhas, os avós vestidos de escuro. E é sobre isto que escrevem, ainda que escrevam outras coisas. Os outros escrevem do que se lembram.
Havia ovos estrelados nas minhas férias, feitos pela avó, sempre que não me apetecia comer a sopa. E bolos com massa de azeite, salvos por um ai! de ficarem queimados no forno.
Aprender a ler salvou-me da solidão nas escadas vazias viradas para a rua e a romaria do Senhor do Calvário, múltipla de primos, primas, bifanas e línguas da sogra deixou de ser obrigatória. A minha avó envelheceu, sou eu que lhe aqueço o leite e adoço com chocolate. Mas volto todos os anos, para ter a certeza de que foi Verão.


Dora Capinha

5 Comments:

  • At 11:18 da manhã, Anonymous Anónimo said…

    Señoritas Naperonas: Que surpressa tão grata e original que nos dieram!

    Oh Dora: acabo de me aperceber que gostava mesmo de ler um blog teu!

    Amigos leitores do Naperon: Isto promete!

    Kardo

     
  • At 11:25 da manhã, Anonymous Anónimo said…

    DORA!!! Liga-te ao msn que já tenho saudades de falar ctg!!! Espero que esteja tudo bem ctg. Bjokas

     
  • At 11:35 da manhã, Anonymous Anónimo said…

    O primeiro texto é digno de um post, pelo que nem pensei que podia ser uma justificação.

    Então o segundo reforça o meu comentario anterior!

    Kardo

     
  • At 5:39 da tarde, Blogger ana vicente said…

    Há uns anos, tive a reminiscência de uma memória perfeita da minha infância: eu sentada numa manta na marquise da casa dos meus avós, sozinha com os brinquedos à volta. No momento em que me lembrei disso, passados tantos anos, pensei que todos os momentos em que escrevia, procurava a recordação daquela sensação de pertença. Na casa dos meus avós, sozinha com os meus brinquedos.

    Obrigada, Dora, por me fazeres lembrar, com o teu segundo texto, essa memória perfeita. Com os meus avós, os dois na altura vivos e de boa saúde.

    Obrigada também pelas palavras sobre o nosso naperon (estás livre de repercussões físicas, parece-me).

     
  • At 4:41 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    Não podia deixar de agradecer à Dora pela sua participação, adorei ler-te amiga e também gostei muito de receber a tua msg no tlm.

    beijinhos,
    sandera

     

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