naperon

Duas boas amigas juntam-se para desarrumar os bibelots.

quinta-feira, outubro 28, 2004

Os palhaços

Eu tentei resistir. A sério que tentei, mas na noite de estreia, tenho de destruir a minha veia (ainda existente) politicamente correcta.
Tentei resistir a quê? A gozar com a peça "Palhaço de mim mesmo". Tentei resistir porque a figura do Ruy de Carvalho - esse "grande actor da língua portuguesa" - parece ser qualquer coisa em que não se pode mexer, alguém que as pessoas "acarinham" e "estimam".
Mas que se lixe! Acho que o senhor já não dá para as curvas e afinal quem é que vai para cena com uma peça escrita pelo genro (supostamente inspirada no velho actor) que se chama "Palhaço de mim mesmo"? Está a pedi-las! Ainda mais quando o grande senhor do teatro tem uma teoria acerca da peça do genro: "Ele talvez pense que sou um palhaço de alma. E sou capaz de ser."
Essa conversa de acarinhar os palhaços também me irrita, são feios e assustam as crianças, mas adiante.
A interpretação da peça é partilhada com João de Carvalho (filho do Ruy) e o cartaz parece uma anedota. Os dois com cara de palhaços tristes dão cabo da paciência de qualquer pessoa. Para quê alimentar a ideia de que os palhaços são tristes? Provavelmente são tristes porque são mal pagos, vestem-se mal e partilham a casa com o elefante. E, mais uma vez, assustam as crianças, provocando apenas um riso nervoso em quem as vê. Um conselho para os palhaços: mudem de profissão, sejam mais alegres. Abracem a nova economia e tornem-se consultores de imagem ou técnicos de marketing especializados. São tristes à mesma, mas ninguém quer saber.
Mas o Ruy de Carvalho, ai o Ruy de Carvalho. Ele lá vai alimentando aquela imagem de grande senhor do teatro, humilde e sapiente, com uma lagrimazinha sempre presente para as constantes homenagens que lhe fazem. A imagem do verdadeiro artista, a sua última e derradeira ilusão. Só me consigo lembrar do senhor a fazer campanha pelo Santana, ao lado da outra grande senhora do teatro Eunice Munoz, para a CML. Penso apenas "vendido, vendido, vendido". Lembro-me dos anos em que o dito Santana era secretário de estado da cultura e que se limitava a garantir chorudas pensões exclusivas (sim, exclusivas) para o grande casal do teatro, baseando-se para isso unicamente na popularidade dos dois.
É por isso que não gosto do senhor do teatro Ruy de Carvalho. Porque gosto de outro teatro, o teatro livre, a arte livre.
Lembro-me do Mário Viegas que se recusou sempre, enquanto viveu, a concorrer a qualquer concurso a subsídio enquanto o Santana ocupasse aquele poiso. Cuspia na sopa porque não a queria comer envenenada.
O Ruy de Carvalho é apenas uma face visível de algo que abomino: o desprezo pela arte e pela liberdade que se traduz na colagem a figuras populares de valor artístico duvidoso. A demagogia dos valores pobrezinhos.
Vivam os verdadeiros artistas! O Ruy de Carvalho é só mais um palhaço. Coitadinho.
Fiquem-se com este excerto do texto: "Somos mesmo aquilo que somos ou somos apenas a imagem daquilo queremos ser?". Profundo!

2 Comments:

  • At 10:36 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    Nem todos nos podemos dar ao luxo de ir pra Rua Augusta

    Ser-se copy não será um subsídio? Camuflado mas é, de quem anda a vender a sua "literatura" por tuta e meia e depois grita a voz alta que a Arte morre.

    O boi tem cornos. Há quem os aguarre, há quem se desvie.

    Deixe lá o Ruy viver/morrer em paz. Por mais palhaços que todos sejamos, não somos nós os donos deste circo chamado Portugal.

    Não nos chegam as novelas do Marcelo, da Joana, do Cruz, do Durão, do Santana, a srª ainda vem trazer a público a novela Ruy e outras que tais? Novela por novela prefiro o Dallas. Ao menos lá petróleo não faltava.

    Ser-se politicamente incorrecto é também fazer parte da carneirada. É algo fashion não é? É quase tão fashion quanto ir ao LUX, quanto ouvir electroclash, quanto ser-se metrossexual, quanto ser-se intelectual de esquerda.

    Viva a indiferença como caminho iluminado!

     
  • At 1:55 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    ora bem! cá me passeava eu pelas pregas do naperon quando me deparei com este post. escrito já há uns meses, e que me chamou a atenção... o "palhaço de mim mesmo". huummm...
    pois, não vi a peça, vi o cartaz e preferi não me aventurar a essa desventura que se avizinhava.

    aposto que fiz bem, a julgar pelo post e por outras opiniões que ouvi amiúde.

    gostava no entanto de contrapor a opinião formada sobre os palhaços em geral, que não têm a culpa das associações que se fazem com o seu nome, nem muito menos de peças de teatro que se inspiram no universo clownesco mas que, com falta de técnica e entrega necessária, resultam numa real "palhaçada".

    na verdade a técnica de clown (palhaço) é uma das mais difíceis de treinar e uma das mais eficientes, quando atingida e dominada, contrariando a ideia que para ser palhaço, basta fazer umas "palhaçadas".
    creio que é assim, com esse desrepeito pela técnica, que o trabalho do palhaço se desvirtualiza e cai no ridículo, deixa de ser arte para passar a ser umas piruetas, uns trambolhões e umas piadas muuuuuito insalobres... (ou será salobres? bom! sem piada nenhuma, pronto!)

    a arte do palhaço exige que o artista se dispa completamente, dos tiques, dos preconceitos e de si próprio. é uma espécie de tábula rasa da própria existência, o palhaço só tem piada quando o artista goza consigo próprio, quando goza cruelmente e se expõe ao ridículo e assim se deixa "colher" quase desprevenido, fragilmente, pelo público.

    é um exercício da simplicidade, quando se domina esta técnica o que o artista deixa transparecer é a ilusão que não está a fazer nada a não ser Ser, e em segunda análise, para o público que assiste parece-lhe que é tão fácil.
    mas no fundo é apenas uma rasteira na semiótica.

    as tentativas de palhaço, quando não trabalhadas a fundo e com entrega incondicional, resultam numa catástrofe. e esses são os exemplos mais fáceis de encontrar.

    mas como, nem tudo são más notícias, convido-os a verem os filmes do Cirque du Soleil, e tenho certeza que encontrarão nºs de palhaço, de ir ás lágrimas, e se reconciliarão com a figura do palhaço.
    para quem viu o Slava no CCB, saberá concerteza do que
    estou a falar.

    em relação á figura do palhaço triste, é apenas um antagonismo gasto que as mentes menos criativas gostam de recorrer invariavelmente, sempre que se fala de palhaços.
    não deixem que esses exemplos menos interessantes sejam os únicos que representem a arte do palhaço.

    quando era criança não gostava de palhaços... não os achava nada de especial, achava ridículo toda a família apontar para a pista e dizer-me; com o ar mais feliz deste mundo: Olha os palhaços! Olha!!
    nessas alturas achava mais interessante o que se passava lá atrás na pista, enquanto o palhaço nos distraía para que o trapézio fosse montado...
    mas há medida que fui crescendo fui descobrindo um pouco mais sobre esta arte e, continuando no lugar de espectador, apercebi-me que os palhaços fazem mesmo rir, mas esses, os verdadeiros palhaços estão apenas mais escondidos.

    1 abraço ás bloguistas (em especial para a minha sandera)

    guga

     

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