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Duas boas amigas juntam-se para desarrumar os bibelots.

terça-feira, julho 19, 2005

Efeito comédia romântica em adultos pseudo-desencantados

Ontem fui ver uma comédia romântica. Gosto de ver. Há já muitos anos. As Meg Ryans, os When harry met sally's, loiras e morenas, o tímido e o descarado, os que estão sempre à luta e no final ficam juntos, o acaso, o destino, tudo de uma ponta à outra... comédia romântica, lá está a Ana Vicente. A minha abordagem e recepção deste tipo de filmes tem vindo, no entanto, a mudar. Uma pessoa vai crescendo, vai ficando desconfiada, vai fazendo pfffff nalgumas cenas, numa palavra vai perdendo a capacidade de se encantar.

Ontem, percebi ao milímetro toda a minha relação com o filme. Durante o visionamento, ri-me, fiquei contente, entusiasmei-me, mais perto do fim, comecei na fase de encolher os ombros, na desconfiança, é pá, não era preciso isto até chegar ao happy end. No happy end, o sorriso está lá, quer aparecer, mas ficamos no escuro do cinema à espera que ele se vá embora, para podermos voltar a saber que nada daquilo é real, mas quem é que eles julgam que estão a enganar. O sorriso aparece e desaparece, até se sair da sala.

É melhor do que pensava, digo eu. É bem divertido, fartei-me de rir. Depois pomo-nos a falar de como eles são giros, ui, grandes giraços. Até voltar o silêncio. O silêncio vira sorriso comprometedor, oscila entre o contentamento infantil de "ai, ai, é tão lindo o amor", o sentido de perda "merda, quero sentir aquilo outra vez" e o puro desprezo "estes gajos de hollywood estragaram-nos a cabeça com estes filmes e por causa disso tivémos de sofrer a desilusão amorosa". Nenhum destes estados corresponde ao verdadeiro efeito comédia romântica. Porque o que, de facto, nós sentimos é tudo isso mais uma coisa que muda tudo: a distância. Já ninguém me tira a distância. Continuo a divertir-me, a emocionar-me, a regozijar-me com o amor daquele par, a dizer que disparate, mas estou um passo atrás. Tudo é entretém de cabeceira. Frui-se e vai-se.

No fundo, o efeito comédia romântica é um swing. Sentimo-nos leves (de novo a leveza?) para dançar e dançamos. Sozinhos ou acompanhados, dançamos. E, quando o efeito passa, continuamos a saber as mesmas coisas. Talvez por isso saiba que não perdi a capacidade de encantar-me, pelo contrário, perco é a capacidade de me desencantar. Gosto mais da realidade agora, mesmo com tudo, e gosto do swing e do ritmo que lhe vamos imprimindo com os nossos pequenos e grandes encantamentos.

3 Comments:

  • At 11:47 da manhã, Blogger ana said…

    Gostaria sinceramente de saber o que teria sido a minha vida afectiva caso não tivesse tido tanto acesso a filmes e livros.

    Aposto que me teria envolvido mais, sem tantos preconceitos, sem tantos critérios de “acho que devia estar a sentir outras coisas por esta pessoa”.

    Por acaso aí está um bom tema de estudo para alguém com formação adequada: "a influência dos filmes e dos livros nas ideias que as pessoas tem sobre as relações, e sobre o grau de satisfação que obtém com as mesmas”.

     
  • At 12:54 da tarde, Blogger ana vicente said…

    De facto, ana, essa questão é fundamental. Os códigos com que vamos crescendo e fazendo a nossa socialização são fundamentais para criar um ponto de vista e até uma estrutura emocional. A ficção, a criação em geral, é um dos veículos mais poderosos para fazê-lo. Por isso, é que não queremos só blockbusters, nem filmes americanos - é por isso que temos de ver, ler, saber mais. Conhecer mais, para também sabermos quem somos e o que queremos de facto.
    Não é por acaso que a maioria dos suicídios em adolescentes é feita por homossexuais. Quem nunca conheceu um código para além do dominante, no qual se possa rever, para onde olha, como ama? Não sabe, não conhece, logo não pode.

    Estamos marcados por essa ideia de encontro de alma gémea e por muitos mais. O nosso recurso à fantasia é bom, até espectacular, como fala a sandera, mas será ainda melhor quanto mais diverso for. Já vi comédias românticas, com gays, com lésbicas, até com uma mulher que já tinha sido homem e que era de facto lésbica. Era uma comédia romântica também... Não há limites para a fantasia! E, sim, viva o Romance e os finais felizes. Depois tratamos de viver a seguir a eles.

     
  • At 2:27 da tarde, Blogger ana said…

    Acho que o caso do cinema como a arte em geral é como tudo: ajuda e desajuda.

    Isto é: acho que é boa uma certa exposição a arte em geral, permitindo que encontremos ligações, identificações, que percebamos melhor o que compõe a alma humana.
    Ana Vicente, acho que o exemplo que apresentas da homosexualidade é um bom exemplo. As pessoas podem estranhar-se quando não encontram nada à volta que lhes permita sentirem-se “acompanhadas” no mundo.
    Por outro lado acho que a arte tem, para além do papel de acompanhar quem antes se sentia só, o papel de mostrar às pessoas mais “mainstream” em termos de sentimentos ou sexualidade, que quem é diferente continua a ser parecido em certos sentidos.

    Por outro lado acho que o excesso de exposição à arte-alheia reduz a nossa capacidade de vivermos por nós mesmos, de construirmos a nossa história sem nos compararmos ou avaliarmos por outras histórias... Pode tornar-se mais um tipo de consumismo anestesiante, em que andamos de sala em sala a viver as emoções dos outros, a tentar reproduzi-las cá fora, retirando-nos tempo e espaço mental para vivermos a nossa unicidade.

    Eh pá, como no peso e leveza, mais uma vez é no irritante e dificil equilíbrio que está a “salvação” ;-)


    PS À parte disto não tenho nada de específico contra as comédias românticas! já vi muitas e não me arrependi!

     

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