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Duas boas amigas juntam-se para desarrumar os bibelots.

quinta-feira, agosto 11, 2005

Rituais - O Casamento

O Casamento é, sem dúvida, um ritual que nos faz falta. Não gostaria de entrar pelos meandros da indústria do casamento, nem pela concepção patriarcal do mesmo, nem pela "mentira" que é o casamento, nem pela impossibilidade que ele eventualmente será. Não gostaria, mas bem sei que essas questões se poderão levantar em vós. No entanto, gostaria que tomassem isto em consideração: falo da cerimória do casamento (the wedding) e não do casamento em si (the marriage).

O ritual do casamento - por que o acho necessário?

Supostamente, duas pessoas que se amam tencionam passar a sua vida juntos, construir projectos em comum, fundar uma nova família, uma nova estrutura, uma nova base. Duas pessoas que se amam querem celebrar perante o mundo o seu amor - é bonito. Mesmo para os mais cínicos (are you talking to me?), esta é uma ideia bonita. Não interessa se vão ou não passar o resto da vida juntos, eles têm essa intenção. E essa intenção, ainda mais nos tempos que correm, é digna de nota. É digna de festa, é digna de reconhecimento.

E, dirão vocês, mas se é isso por que é preciso fazer uma cerimónia pública? Por que não se limitam a fazer esses votos em privado? Aí deixaria de ser um ritual, como falei abaixo, passaria a ser simplesmente uma expressão individual. O que interessa é o nosso amor e isso também é bonito. E obviamente legítimo (não pensem que com este post pretendo alterar tendências ou marcar posições de força). A cerimónia do Casamento é importante porque é pública, porque há um afirmar individual perante um reconhecimento colectivo.

Esse reconhecimento não assenta necessariamente, como tem de facto acontecido, em posições de poder, do género patriarcal. Ah, ela agora é dele, ela entregou-se a ele. Foi isso que matou o casamento. O que defendo é a ideia de vida em comum, mais uma vez. Também podemos dizer que o casamento assenta na ideia de posse mútua e aproximamo-nos mais da ideia de falta de liberdade, de constrangimentos sociais, etc. etc. Mas, que diabo, por onde havemos de começar sem ser pelo compromisso? O meu compromisso com uma pessoa até pode ser olha, eu quero estar contigo, mas pode acontecer envolver-me com outras pessoas, mas isso já pode ser um compromisso, se for algo pensado em conjunto, de acordo com a outra pessoa. Duas pessoas decidem ficar juntas para o resto da vida (não interessa se ficarão) - se não se valorizar isso, o que se valorizará?

O ritual é importante pela expressão, por isso a legalização do casamento dos homossexuais ser uma questão central e não acessória à luta contra a homofobia. Dois homossexuais terem a possibilidade de realizar uma cerimónia de casamento reconhecida socialmente é um passo para a visibilidade. É um afirmar ao mundo que eles/elas são reconhecidos/as como detentores do direito de constituir a sua estrutura familiar. É óbvio que sem casamento também a constituem, mas não lhes é conferido o estatuto. Não estou a falar simplesmente de questões legais, falo sobretudo de visibilidade social.

Ao contrário do que alguns esquerdistas (are you talking to me?) possam afirmar, o casamento entre homossexuais não é uma importação de um modelo heterossexual errado, é o primeiro passo para transformar esse modelo num modelo melhor, mais completo e, fundamentalmente, mais verdadeiro.

Não defendo o "casamento" de x ou y, como não defendo o "casamento" em geral. Defendo, sim, a possibilidade universal e, esperemos, mágica de concretizar, num só momento, votos de futuro perante si próprio, o outro e o mundo. Sim, acho que é isso que defendo: a celebração pública de um amor individual/duplo.

6 Comments:

  • At 4:10 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    O casamento é um contrato. Que tipo de contrato. Um contrato de compra e venda. A mulher (e são sempre as mulheres o objecto de troca) é vendida, ou melhor, a sua sexualidade é vendida pelo dono dela, o pai, ao novo proprietário, o marido. Daí este, na boa tradição do casamento, ir pedir a mão (na verdade um eufemismo para outra coisa) ao pai da noiva, o seu proprietário, e, portanto aquele cuja palavra deve ser a palavra decisiva (atenção é o noivo que vai pedir a mão da noiva, nunca o contrário, que isso seria transformar o homem, e não a mulher, em objecto de troca). A noiva deve igualmente ir de branco, significando a escolha de tal cor a sua pureza e castidade, traduzindo: o objecto que ali, com reconhecimento e aprovação pública, é vendido, está em bom estado, não foi nunca usado por ninguém, o seu proprietário zelou sempre pela sua pureza, que agora entrega, intacta, nas mãos do novo usufrutuário.

    Dir-se-á que o casamento já não é nada disto (o que qualquer purista do casamento facilmente aceitaria e reconheceria), que isto são coisas do passado, ou de outras sociedades mais atrasadas, que as sobrevivências que ainda se possam encontrar entre nós, são apenas isso, sobrevivências culturais já sem significado nenhum. Exemplo: ainda que a noiva vá de branco, tal já não significa que ela seja virgem, é apenas um costume, uma tradição, um tique que nos ficou de outros tempos. Certamente que sim. Mas o meu argumento é que o próprio casamento é apenas uma sobrevivência cultural, sem sentido e que se limita a perpetuar, o melhor que pode num mundo que já não é o seu, determinadas relações de poder e dominação. Um pouco como o véu islâmico apenas no cabelo. Qualquer purista percebe que tal não passa de folclore, que o véu devia cobrir todo o rosto, e não apenas o cabelo, o que aliás o transforma apenas num adereço, em mero folclore, já sem o seu significado original e portanto o único real e verdadeiro.

    Quanto à distinção que fazes, ela também acaba por ser folclórica. É um pouco como dizer: eu sou contra o casamento, mas a cerimónia é bonita, eu da cerimónia sou a favor. Ou alguém que se dirige a uma menina islâmica e lhe diga: eu sou contra o véu e essas coisas, mas o seu cabelo assim apanhado por esse belo véu fica-lhe muito bem, fica muito bonita assim, eu do véu só no cabelo até sou a favor. E depois há alguma coisa estranha nesta distinção: dizes que precisamos de rituais, que andamos todos meio perdidos e desenraizados, e precisamos de ritos de passagem mas depois, no casamento, ficas pela cerimónia. É como se quisesses construir uma casa, mas sem cimento, nem ferro, nem essas coisa pesadas. Pode até ser só um projecto de casa, mas que as pessoas olhem para ele e percebam que é uma casa, ou podia ser. Passa-se o mesmo aqui. É só uma cerimónia, nada de tretas tradicionais e opressivas, nem sequer é bem um casamento, é antes um quase-casamento, só com as coisas boas, estão a ver?, mas olhem bem, olhem bem para esta cerimónia e digam-me lá que não vêem um casamento?!

    Além do mais, agora é o meu psicanalista a falar, o casamento (a cerimónia) é no fundo a morte do amor, a encenação do fim do amor. Precisamente porque é uma celebração localizada e ritualizada. É aquele momento, o êxtase, e depois do êxtase o que se segue é sempre a morte, o nada. Na verdade, esta ideia do casamento (cerimónia) como a morte do amor casa bem (casava bem) com as outras características (as tradicionais do casamento). O ideal é o casamento sem amor, já que uma coisa nada tem a ver com a outra e a sua mistura é uma invenção (aberração?) recente. Mas se houver amor, então que ele seja gasto aos poucos no noivado e na ânsia do grande momento (a cerimónia). Grande momento esse que o vai acalmar levando-o ao êxtase, e finalmente a lua de mel (lua de fel) saberá dar a facada final e definitiva nisso a que chamamos amor. De preferência que venham logo filhos, porque se o amor ainda não tiver morrido até então, ao menos será deslocado para algo mais importante do que os dois palermas apaixonados, a família, que o casamento serve afinal para afirmar e perpetuar. Claro que isto que aqui descrevi era o casamento tradicional. Agora já não é nada assim. Agora é uma cerimónia vazia e pouco mais. Mas lá que é bonita, é. Ao menos para quem gosta.

    Mas assim sendo, que sentido faz que eu defenda o casamento gay & lésbico? Defendo-o apenas por uma questão de igualdade de direitos, não pelo casamento em si. O que significa que essa seria uma conquista sempre importante mesmo que não viessem a ocorrer casamentos depois da aprovação da lei.

    Agora o amor. Esse mito, essa ilusão, esse perigo. Se duas pessoa se amam, para que é que precisam de casar? Lembro-me daquela anedota sobre aquele homem que pergunta ao outro se vai casar por amor ou por interesse, e ele responde que deve ser por amor, pois não tem interesse nenhum pela pessoa com quem vai casar.

    Repito a pergunta: Se duas pessoas se amam para que é que precisam casar?

    Agora se não se amam, aí sim, aí é melhor casar, porque senão a coisa corre mesmo o risco de não durar. E neste caso, quanto mais memorável e pública for a cerimónia melhor. Mais importante do que acreditar, há quem diga, é querer muito acreditar, fazer tão de conta que deixa de se saber que não é verdade. Parabéns. E que sejam muito felizes juntos.

     
  • At 4:26 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    Errata: É óbvio que falta um ponto de interrogação lá em cima, na segunda frase da primeira linha: "Que tipo de contrato?"

    Fiz uma pergunta seguida de ponto final. Isto cá para mim é Saramago a mais. :)

     
  • At 4:35 da tarde, Blogger ana vicente said…

    Esses eram os tais argumentos que gostaria de evitar, mas já que falas dele, poderei então falar sobre o Casamento. Mais tarde, mais tarde.

    Agora o teu comment. "Mero foclore" para mim não existe. O foclore não é algo descartável. Algo que despedimos sem mais como acessório, como lixo. De world music gostas? Dá-se um nome diferente à coisa e pronto. Cenas tribais em África, fixe, agora a malta aqui casar-se é que não. O relativismo cultural é bom no que é pitoresco e inofensivo, mas no resto apre!, não.

    Nunca disse que era contra o casamento e a favor da cerimónia. Sou bem a favor de compromissos por amor. Um compromisso é algo que falta. E, por favor, não se confunda compromisso com fidelidade ou essas coisas todas más que se associam à palavra compromisso. Falta-nos compromisso, sim. Falta-nos expressão verdadeira, sim.

    Falta-nos reavaliar a nossa vida de uma ponta a outra e perguntar quem sou eu, que papel tenho na sociedade, como afirmo o meu compromisso perante o mundo. Não falei de amor como amor. Para falar de amor, falarei de amor. Eu quero reinventar a ideia de casamento para que resulte. Porque acredito que há a possibilidade de fazer um compromisso com alguém e acreditar nele.

    Acreditar, sim.

    Contrato, ah pois, contrato - sim, tens razão. Um compromisso é um contrato - é estabelecer um contrato com alguém. Lidar com isso, decidir, escolher, tomar um rumo.

    Sim, defendo o casamento, defendo o casamento cerimónia e acredito em casais que ficam juntos. Não me casaria na igreja nem de branco nem se calhar no civil, mas podes crer que gostaria de acordar um dia e dizer: "quero ficar contigo para sempre e quero que toda a gente saiba". E isso não tem nada de romântico, xiça, não tem mesmo. É tudo menos uma idealização. Quando estás com alguém tens de acreditar... se não para quê?

    Em relação à pergunta, não precisam casar-se. Disse bem o que pensava acerca disso. Tudo é legítimo e, por Deus, nunca aconselharia sequer ninguém a casar-se. Agora posso garantir-te que, a fazê-lo, é bom que se saiba o que se está a fazer e é isso que defendo.

    O foclore é bom. Aliás o foclore é fundamental - chama-se expressão.

    A minha defesa do casamento (ritual e o resto) prende-se com a minha visão individual sobre a vida. Não é sequer uma Utopia, é uma convicção, é uma crença, é um desejo. Pouco romântico, mas verdadeiro.

     
  • At 4:43 da tarde, Blogger bárbara said…

    concordo contigo, ana, os rituais são importantes e, por isso, devem ser sinceros (ou individualizados) e não copy/paste uns dos outros.

    jctp, importante mesmo, em tudo na vida, é a possibilidade de escolha. se caso ou não caso, se vou virgem ou não para o casamento, se caso de branco ou de vermelho, se convido 3 pessoas ou 600.
    posso não entender algumas opções e ninguém me obriga a tomá-las, o importante é haver liberdade - e honestidade - nas escolhas de cada indivíduo perante a sociedade (e também perante si mesmo, mas isso é outra história).

     
  • At 12:04 da tarde, Blogger mir said…

    Sempre pensei que não me ia casar até ao dia em que fiquei noiva. Não me lembro que dia foi, há quanto tempo. Não teve anel nem declaração nem nada. Tanto quanto me lembro um dia percebemos que viver juntos não chegava...Tão simples quanto!
    Agora que estamos a tratar da concretização já não é tão simples! Como qualquer ritual...
    (escrevi sobre isso ontem e hoje encontrei o teu texto!)

     
  • At 5:58 da tarde, Blogger Maria Reis said…

    Acima de tudo uma cerimónia de casamento é a celebração do nascimento de uma nova personalidade: a dualidade de uma personalidade(nós!). O nascimento aos olhos do mundo.
    Quem não gosta de uma festa de aniversário?! Que melhores momentos podemos ter senão aqueles com quem mais amamos, com a nossa família, os nossos amigos e o nosso mais-que-tudo? Quem não gosta de um dia de glamour e de festa?
    O problema não reside se se deve ou não existir um ritual, mas no que se passa depois desse ritual, o casamento a dois!
    E depois que tipo de personalidade se desenvolve a partir daqui? Uma criança mal comportada, um teenager furioso, um adulto charmoso, e por aí adiante...
    Por isso o que importa é educarem esta personalidade com valores, que a façam crescer em harmonia e em felicidade.

    www.casamentoadois.blogspot.com

     

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