Rituais - Introdução
Sinto cada vez mais necessidade de rituais. Revivalismo? Talvez, mas não me parece que se esgote aí, uma vez que a ideia tem permanecido em mim há já algum tempo e não me parece que vá arredar.
Para quê então os rituais? Falo essencialmente de rituais de passagem e acho-os vitais porque parecemos cada vez mais perdidos na ordem dita natural das coisas. Quando deixa uma criança de o ser? Quando é que um adolescente já é adulto? Como se dá o luto? Como se celebra o amor? Tudo isto (e mais suponho) é feito de códigos sociais e as nossas emoções (e perspectivas) acerca disso formam-se também através desses códigos. Sem códigos, como valorizar o que são as coisas? Chegámos a um ponto absurdo de relativismo em que tudo é possível, só depende da nossa emoção? Não acredito que seja o caso, essencialmente porque não sabemos sequer lidar com as nossas emoções, pois também para expressá-las são necessários códigos e, se nunca vimos ninguém fazê-lo, como poderemos nós concretizá-lo?
Esta é apenas a ideia inicial. Uma ideia que se desenrola muito por reacção, é certo. Sendo progressista, há, no entanto, muitos estereótipos de uma certa esquerda (na maior parte das vezes, pouco progressista e bastante ortodoxa) que me entram nos nervos. A instrumentalização de tudo aquilo que, por exemplo, possa estar associado à religião católica como nocivo para a sociedade, ou de associar o casamento ao patriarcado, como outro exemplo.
Não é que eu não possa, muitas vezes, olhar para certos casos desses exemplos e sentir o mesmo. Mas a verdade é que não o associo ao ritual em si, mas à construção ideológica – passiva e pouco questionadora – por detrás e que corrói a meu ver as mentalidades.
A necessidade do ritual impõe-se-me por duas variáveis distintas:
Primeiro, porque o olho como algo profundamente individual para o colectivo, isto é uma expressão pessoal para uma linguagem comum – nesse sentido, para mim, um ritual é uma interpretação exclusiva que utiliza ferramentas de entendimento comuns, mas que é absolutamente único e intransmissível;
Segundo, porque vejo o ritual como uma ferramenta social indispensável para os momentos de passagem da vida, isto é um momento em que todos os indivíduos entram em contacto com uma certa dimensão da vida, até então desconhecida. Esse momento para mim deve ser sublinhado, pois torna a memória mais forte, mais construtiva, enriquecendo-o e à nossa vida.
Estas duas variáveis afunilam para uma ideia essencial para mim: a criação de uma comunidade em que o individual assume expressão e valor.
Nesse sentido, há dois ou três rituais sobre os quais gostaria de escrever aqui. É o que farei em posts seguintes.
8 Comments:
At 12:17 da manhã, Anónimo said…
Pois, não sei o que hei-de dizer. Por um lado, odeio rituais. Acho que sou demasiado “misantropo” e “autista” (vai assim entre aspas para disfarçar) para os suportar. Por outro lado, reconheço que talvez eles sejam importantes e que nos façam (me tenham feito) falta, nomeadamente para não se ser demasiado “misantropo” e “autista”. Mas, na verdade, esse aspecto caótico de que falas não me parece mau. Perigoso, talvez. Mas não necessariamente mau. Depois os rituais sempre me pareceram formas de marcar e ser marcado. Tu és isto, eu sou aquilo. Este é o teu lugar, aquele é o meu. Os rituais são sempre, como tu reconheces, formas de impor uma ordem e afastar o caos, portanto formas de legitimar relações de poder. Mesmo os rituais que suspendem a ordem, e instauram o caos, como o Carnaval (que eu “odeio”), servem, no limite, para reafirmar a ordem. O problema dos rituais e da ritualização da vida (e, neste sentido, eu acho que temos vidas cada vez mais, e não menos, ritualizadas) é que eles tendem a transformar a vida em alguma coisa de mecânica e mais ou menos pré-determinada. Neste sentido a apropriação individual dos rituais e a sua reinvenção parecem-me mais positivos do que negativos.
Mas talvez a maior ou menor adesão aos rituais dependa dos graus de sociabilidade das pessoas. Pessoas mais sociáveis provavelmente aderirão mais aos rituais do que pessoas menos sociáveis. Parece-me que isso se reflecte um pouco na praxe universitária, que é um ritual. Aquilo é apresentado como uma forma de integrar melhor as pessoas mais tímidas, mas é evidente que para uma pessoa mais tímida aquilo é mais um pesadelo do que outra coisa, e é evidente que uma pessoa com essas características seria muito melhor integrada numa lógica individual e personalizada do que no ruído ensurdecedor da praxe. Por outro lado, para as pessoas extrovertidas, para quem aquilo na realidade é feito, o ritual da praxe deve ser quase um paraíso.
Claro que há que tentar fazer a síntese entre o individual e o colectivo, mas é preciso cuidado, muito cuidado, com ambos os extremos.
Gosto da ideia de que cada indivíduo é uma singularidade única e que deve ser tratado de forma singular. O colectivo, a organização do colectivo, deve servir para isto mesmo, para sermos mais livres e não menos. Para haver mais diversidade e não menos.
At 12:52 da manhã, ana vicente said…
Concordo contigo.
Quando falo em rituais, não falo necessariamente dos rituais tal como os conhecemos. Falo de reinventá-los individualmente, mas com reconhecimento colectivo.
Os rituais de passagem são, sem dúvida, os mais complicados de falar, parece-me. Exactamente porque muitas vezes têm a ver com uma imposição violenta de um determinado código. Acho que há rituais que deviam simplesmente ser mandados ao lixo, como a praxe de que falaste.
Talvez não tenha sido clara nas minhas premissas inicias, se assim as posso chamar, mas o que realmente queria dizer é isto: os rituais são importantes, em primeiro lugar, para cada indivíduo se situar no mundo e não para alguém o localizar. Reconheço que têm sido usados mais para localizá-los, "pô-los no seu lugar", como dizes, mas é exactamente isso que gostaria de mudar.
E, francamente, não acho que tenha a ver com sociabilidade. Tem a ver com a forma como pensas o mundo socialmente. Detesto também muitos dos rituais em que estou integrada socialmente, mas isso não quer dizer que não os consiga conceber de outra maneira. Não simplesmente mais adequada a mim, mas realmente feita por mim de um modo social. Podes ser "misantropo" e "autista", como te referes (embora duvide), mas tens uma visão social sobre as coisas.
Reinventar rituais, é apenas o que digo. Não gostaria de impô-los a ninguém. Mas, ah vã glória, gostaria de mudar mentalidades. isso sim!
At 10:42 da manhã, ana said…
tema muito interessante.
a sensação que me deu quando acabei o curso foi que estava habituada a viver uma vida ritualizada, com muitos (apesar de pequenos) rituais de passagem (literalmente passagem de ano, entrada na universidade, etc).
durante 17 anos da minha vida vivi formatada dessa forma: com uma direcção mais ou menos clara (excepto na escolha do curso), com tarefas concretas e definidas.
o choque que foi (para mim e para alguna amigos) ter uma vida des-ritualizada, uma tela branca.
ou seja, passamos de um certo nível de rituais "impostos" exteriormente, para uma zona de "escolha/não escolha de rituais".
nenhum dos meus amigos próximos se casou, nem teve nenhum ritual equivalente.
às vezes acho que faz falta.
desenhar umas linhas de separação na tal tela branca.
acredito no valor das descontinuidades, quer no tempo quer no espaço. as descontinuidades enriquecem, permitem-nos experimentar coisas diferentes.
acho que presentemente se pretende homogeneizar tudo, o que empobrece, porque nos retira a experiência de diferentes modos de estar
(não sou uma pessoa religiosa, mas gosto que "respeitem" o silêncio dentro das igrejas, porque se não não sei em que espaço público se pode viver o silêncio)
acredito que rituais, no sentido ambrangente que tu falas, como forma de afirmação, de concretização de algo perante a sociedade restante, como forma de criar heterogeneidades, como forma de impulsionar mudanças internas.
talvez ache isto por ter vivido muita da minha vida ritualizada, e tenha saudade de existir uma direcção definida (embora desta vez não "imposta")
gostava de saber se algum psicologo estudou a importância da existência de rituais para o bem estar individual...
At 2:12 da tarde, Anónimo said…
A ana simões escreve um post liberal, a ana vicente escreve um post conservador e eu escrevo um post a defender mais estado.
É de apanharmos todos muito sol na cabeça?
:)
At 2:31 da tarde, ana vicente said…
Achei piada ao que escreveste, Luís. Mas este post é antes de mais progressista - ah pois é! (mas não me chateia o conservador, já disse a algumas pessoas que sou conservadora nalgumas coisas e elas não acreditam e eu depois também duvido - e continuo a duvidar). Lá vou eu esquerdalha ;)!
At 3:47 da tarde, ana said…
eu de certeza que ando é a apanhar sol de menos!
xuif, coitadinha da desgraçadinha que sou...
At 4:10 da tarde, Anónimo said…
Desculpa, mas este post é conservador. Não o digo como insulto, longe de mim: conservadorismo é um respeito pela tradição que implica perceber antes de pôr em causa que eu considero positivo. Não significa obediência cega à tradição (para isso existe a palavra reaccionário).
E queixares-te que "chegámos a um ponto absurdo de relativismo" é já um chavão de direita.
Mas tudo isto significa apenas que não somos tão básicos como isso (hoje a ana simões está ainda mais liberal).
At 4:49 da tarde, ana vicente said…
É progressista.
E eu é que sei ;) !
(não tomei como insulto, obviamente - ser conservador per si não tem nada de mau - ser reaccionário sim. Aliás progressista é o oposto de reaccionário. Olha, chama-lhe o que quiseres. Mas não chames liberal à ana, que ela não merece, eheheh)
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