naperon

Duas boas amigas juntam-se para desarrumar os bibelots.

quinta-feira, junho 16, 2005

Azar?

Nunca fui uma pessoa dada a considerações sobre a sorte ou o azar. Acredito no acaso. A verdade é que nunca me senti azarenta nem sortuda. Há, no entanto, pessoas que parece que atraem má sorte, azar, coisas más. E não conheço muitos Gastões (plural de Gastão).

Há pessoas que são assaltadas sistematicamente, que têm pequenos acidentes, que perdem coisas, que escorregam na casca de banana, que são enroladas nas ondas... quem não conhece dessas pessoas? Pessoas que atraem confusão. Pessoas que, quando lhes acontece qualquer coisa, despertam reacções como "não há nada que não lhe aconteça" ou "outra vez?" ou indiferença, ou mesmo irritação "como é possível?". O "coitado(a)" também é muito utilizado.

Será justiça divina (mesmo que injusta)? Será equilíbrio natural? Será o cá mas fazes, cá mas pagas de um Deus colérico ou simplesmente brincalhão? Será puro íman para desastres? Será apenas desorganização? Falta de cuidado? Desrespeito universal?

Nunca me senti especialmente abençoada e tenho a minha dose de azares, mas na verdade nunca os vi como tais: considerei-os sempre ou coincidências ou desleixo ou estupidez.

Haverá alguma coisa para nos livrarmos da má sorte? Será apenas um ponto de vista sobre a vida, uma forma de olhar para as coisas? Desconfio que sim, mas depois há alguém que volta a cair na esparrela e fico com dúvidas. Sempre achei que a melhor forma de não atrair o azar era não ter medo. Agora que o menciono, serei amaldiçoada?

E se, em alternativa, me saísse antes o Euromilhões? Hoje tive de ouvir a mulher da tabacaria a dizer, acerca dos meus papelinhos das apostas da semana passada, "estes não prestam". Não prestam, não. Por causa disso, já não terá a sorte de ser recompensada por uma apostadora benemérita que eu eventualmente poderia ser.

6 Comments:

  • At 5:27 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    Se me permites, apresento-te um povo que não acredita no acaso e logo, não acredita no azar. Ou melhor, não o explica pelo acaso, há explicações melhores para essas coisas, nomeadamente, ensinam-nos os Azande (o tal povo), a feitiçaria.

    Os Azande são um povo africano que foi etnografado (adoro dizê-lo assim) nos anos 30 pelo antropólogo britânico Evans-Pritchard (http://en.wikipedia.org/wiki/E._E._Evans-Pritchard). O livro que se tornou um clássico na antropologia chama-se "Witchcraft, Oracles and Magic Among the Azande" e foi publicado em 1937. Bom, o essencial da questão é o seguinte, ou melhor, a história é esta: Os Azande constroem os seus celeiros em madeira. Ora, não sendo a construção por demais sofisticada - afinal estamos a falar de um povo que vive da agro-pecuária numa cultura de subsistência, um desses povos a que a "primitiva" antropologia decidiu chamar "primitivo" – o certo é que com o tempo e a acção das térmitas, esses incansáveis roedores de madeira, os celeiros, mais tarde ou mais cedo, acabam por cair. Ora os nossos amigos Azande reagem a este facto com a máxima naturalidade, como qualquer um de nós. Eles sabem que o celeiro é uma construção frágil, sabem que o tempo e as térmitas acabam por minar a estrutura da construção e que os celeiros acabam por cair. Resta voltar a construí-los até à próxima queda. Mas, e aqui é que começa o problema, vamos imaginar, como muitas vezes acontece, que o celeiro cai no preciso momento em que um Azande está no seu interior, provocando a sua morte. Diríamos nós que o homem teve azar, que estava no lugar errado no momento errado, e que por um triste e trágico acaso foi vítima da queda do celeiro. Explicaríamos o fenómeno recorrendo ao acaso, o que, se pararmos um pouco para pensar, não é grande explicação, uma vez que não explica precisamente aquilo que os Azande desejam ver explicado: porque é que aquela pessoa estava no interior do celeiro naquele preciso momento. Afinal ela poderia lá ter estado em qualquer altura, mas porquê naquele preciso momento, no momento em que o celeiro caiu. Coincidência, diríamos nós. Mas também esta é uma explicação demasiado simplista, afinal uma variante do acaso, para os Azande.

    É com a feitiçaria que os Azande resolvem este problema. Se determinada pessoa estava dentro do celeiro no preciso momento em que o celeiro caiu, então essa pessoa, ao contrário do que nós ingenuamente imaginaríamos, não foi vítima do acaso (nem do azar), mas de feitiçaria. Os Azande têm depois todo um processo para repor a ordem original da sociedade e que, em poucas palavras, consiste em identificar o feiticeiro responsável pelo acontecimento e eliminá-lo.

    Se fossemos Azande andaríamos agora à procura do maldito feiticeiro que nos faz às vezes ser vítimas de azar atrás de azar. Sim, porque sejamos sinceros, essas explicações pelo acaso, a coincidência e o azar, na verdade, não convencem ninguém.:)

    Não sei se os Azande (http://en.wikipedia.org/wiki/Azande) continuam por lá, pelos seus territórios em África, e se continuam a explicar todas as coisas da forma que o faziam quando foram visitados pelo Evans-Pritchard. Alguém me faça o favor de ir lá confirmar (e depois relatar tudo com pormenores) que eu gosto mesmo é de armchair anthropology.:)

     
  • At 5:33 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    Errata: fossemos é fôssemos. Por azar, o acento escapou-me.

    Azar? Acredite, quem quiser.

     
  • At 6:16 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    Afinal parece que não foi nos anos 30, mas nos anos 20, que o Evans-Pritchard andou por lá, in the flesh, a etnografar os Azande. Pelo menos é o que aqui se diz (http://www.zahar.com.br/cat_detalhe.asp?id=0880&ORDEM=A).

    Pois, aqui (http://en.wikipedia.org/wiki/E._E._Evans-Pritchard) também é dito textualmente: His first fieldwork began in 1926 with the Azande people of the upper Nile and resulted in both a doctorate (in 1927)and his classic Witchcraft, Oracles and Magic Among the Azande (in 1937).

    Eu ando mas é a ler mal, e a inventar bem. Shame on me!

     
  • At 5:28 da manhã, Anonymous Anónimo said…

    Parece-me a mim que todos os acontecimentos têm por base a lógica da relação entre uma causa e a sua respectiva consequência ou mais simplesmente causa/efeito.

    Esta é uma das bases da Cosmologia moderna, mas é também a base do conceito do Karma na filosofia Budista (atenção, pois a definição de Karma não é bem a mesma no Hinduismo).

    Na lógica do Karma Budista não existe espaço nem base para azares, sortes, coincidências ou acasos. É ilógico isso acontecer.

    Se tudo depende de causas, então nada do que acontece pode ser fruto de acasos.

    Mas é um tema bastante profundo e complexo, mas o principio lógico é bastante fácil de compreender. Embora tenhamos que investir um pouco para lermos ou ouvirmos explicações completas sobre este tema. O que recomendo se tivermos interesse ou curiosidade.

    Mas devo dizer que a máxima de que uma borboleta pode provocar um furacão no outro lado do mundo é verdade segundo esta lógica.

    Nós não conseguimos é ver a complexidade do "efeito dominó" da causa/efeito/causa/efeito etc... Mas podemos compreender o principio.

    É por essa razão (da complexidade do "efeito dominó") que quando nos deparamos com um efeito/consequência, por exemplo, o cair de um piano em cima da minha cabeça de um 3º andar (como nos desenhos animados :-) ), naturalmente e muito facilmente atribuímos a sua causa a um acaso ou "Que azar! Logo hoje que tinha conseguido aquele penteado à maneira!" ou a uma força consciente e suprema e/ou omnipotente.

    Pessoalmente não o vejo assim. Neste caso não é é uma questão de crença ou fé, é uma questão de lógica, volto a frisar.

    Também penso que temos a tendência de cristalizar tudo no tempo e isso também contribui para apelidarmos os acontecimentos de azares ou casualidades. Por exemplo, sempre que surge um acontecimento na nossa vida, temos a tendência para achar que ele é um fim em si, "isto aconteceu-me a mim AGORA, que azar!". Não compreendemos ou não sentimos que isso é apenas mais uma causa de outro efeito futuro e assim por diante... Cristalizamos o momento e pensamos que tudo conspirou contra mim, para que, naquele momento eu experimentasse aquele azar. Não vemos as causa anteriores e a sua continuidade para a frente.

    No Karma os criadores das causas somos sempre nós próprios, logo, quando algo nos acontece, o responsável por esse acontecimento somos igualmente nós próprios. Não é o tempo, não é o vento, não é chuva, não é o Bin Laden nem o Bush, nem sequer o Santana Lopes, não são os outros, não são as térmitas, e não são feiticeiros! E ainda bem! Ufa! :-) São um conjunto de factores e condições que se reúnem num determinado tempo e espaço e nós simplesmente experimentamos o efeito de uma causa criada por nós anteriormente.

    É claro que as implicações e explicações para tudo isto são muito mais vastas e profundas. O que eu tento aqui explicar é muito simplista e naturalmente pode vir a ser rapidamente rejeitado por transmitir tamanha simplicidade. Mas quem tiver curiosidade, basta investigar por si ou perguntar a quem saiba e tenha experiência sobre o assunto. Vale a pena e é bastante simples compreender a sua lógica...completa! :-)

    E sim Ana, o Karma dá uma solução lógica, pragmática e muito prática de como conseguir travar e acabar com os "azares" e já agora de como conseguir mais "sortes"! :-)

    pedro

     
  • At 2:33 da manhã, Anonymous Anónimo said…

    Bom, a coisa é mais complicada do que eu pensava. Um ocidental diria a um Azande que a culpa do celeiro cair é das térmitas e da acção do tempo, e não da feitiçaria. Mas, ao que parece, um oriental, pelo menos um budista, ou o próprio Pedro, dir-lhe-ia: "Meu amigo, a culpa da queda do celeiro nem é das térmitas, nem do tempo, nem dos feiticeiros. É sua." Não sei como reagiria um Azande a tão violenta novidade, mas certamente ela marcaria a introdução da psicanálise na sociedade Azande.:)

    Mas pedro, se eu sou responsável pelo que me acontece, também serei responsável pelo que acontece aos outros (ou não?). Se uma borboleta pode provocar um furacão (que pode causar mortes), eu não serei digno de algo ainda mais devastador (bem sei que esta lógica é mais cristã, que tende a ver o homem/mulher como criatura privilegiada, do que budista, esse é mais igualitário, suponho, em relação à diversidade das formas de vida). Mas se eu, ao menos, pela minha acção posso provocar um furacão (fica só assim, para não me armar em mais importante do que a borboleta) então o (pois é, não resisto!) George Walker Bush (isto para não falar do Santanás) também pode provocar (e não é que provoca!) inumeráveis tragédias com a sua acção. Acho, realmente, que o George precisa mesmo de educação búdica, é que nem é por ele, é mesmo por nós, e pelas pobres borboletas também, que não têm culpa de nada. E se batem as asas é só porque não aprenderam outra forma de voar.

    É evidente que estou a brincar. Espero ser entendido assim e não provocar nenhum furacão.:)

    Um abraço ao pedro.

    E só espero que ele não seja nenhum feiticeiro a tentar salvar a pele!:)

     
  • At 1:53 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    Fui descoberto!
    Vou evocar a maldição do furacão e fugir o mais rápido possível!

    Mas eu voltarei! AHAHAH!!... AHAHAHAHAHAHAHAH!! (com eco)

    Feiticeiro Pedro

     

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