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Duas boas amigas juntam-se para desarrumar os bibelots.

quarta-feira, junho 15, 2005

Estao ali a fazer-me sinal para voltar a acreditar

Ontem, numa urgência de zapping que me dá de mês a mês, apanhei o célebre debate de 1975 entre Mário Soares e Álvaro Cunhal na RTP Memória. Vi ainda um bom pedaço. 30 anos marcam uma diferença evidente.
Eu nem sou do género de achar que no passado é que era e repudio todas aquelas afirmações recorrentes da inépcia das novas gerações em oposição à bravura e coragem das passadas - esse tipo de abordagem é tão culpabilizante, vã e castradora que só nos pode paralisar. Mas, ontem, ao ver o debate, admirei essa diferença e lamentei que as coisas no nosso tempo não sejam um pouco como as vi ali.
Em primeiro lugar, os dois políticos. Não há qualquer tipo de dúvida enquanto se assiste àquilo: aqueles dois homens acreditam realmente naquilo que estão a dizer. São genuínos. Estão mais atentos ao que dizem do que à forma como dizem. Há uma diferença estrutural e ideológica entre os seus pontos de vista - têm uma ideia política para Portugal. Num período em que tudo ainda era possível, é impressionante constatar que foi naquele confronto (não o televisivo, mas o ideológico) que se jogou o rumo de Portugal. E se, de um lado, tínhamos um Mário Soares que queria "institucionalizar a revolução", de outro, havia um Cunhal que via claramente a Revolução como um processo contínuo e duradouro. Este abismo é intransponível porque define tudo. A ideia de Revolução continuada que, de certo modo, defendo, para alterar mentalidades, instituições, modos de vida e a sociedade, é apaixonante, enquanto a ideia de revolução que se institucionaliza, a que assistimos de facto na sociedade portuguesa, é o caminho para a estabilidade, para a criação de riqueza, para a ilusória segurança do dinheiro no banco e os bens em nosso nome - a manutenção de um status quo ou, naquele caso, a criação de um novo. O fascínio proporcionado por essa ideia de Revolução em curso é também rapidamente afastado quando Cunhal a desenvolve e concordamos com Soares, numa entrevista dada ontem ao Público, quando afirma que a história nunca dará razão ao emblemático líder comunista.

Não pretendo analisar o debate, não tenho competências nem paciência para tal. Achei Soares um homem muito mais belíssimo do que me lembrava, com uma postura muito mais cativante do que a de Cunhal, mais frio, mais obstinado.

Para uma reposição que pretendia homenagear Cunhal, fiquei mais impressionada com o Soares. Fiquei impressionada com a simplicidade de tudo aquilo. Em que os moderadores fumavam e falavam como se só percebessem de política e nada de televisão. Impressionou-me que há 30 anos se falasse mais de reacção e progressismo do que actualmente e como hoje nos tiraram essas palavras como se fossem pouco importantes.

Vivemos num tempo barroco, como diz uma amiga. Nenhum político hoje vai a um debate sem estudar a pose, sem ensaiar gestos. Ali vemos um animal político, passo a banalidade porque é verdade, como Soares, que sabe como falar para o povo, que provoca Cunhal, que ri entredentes, mas que acredita, acredita em todos os momentos. Hoje nenhum apresentador diria "estão ali a fazer-me sinal para pararmos porque temos de trocar as bobines" ou "o que é que achas, joaquim? o que é que fazemos agora?".

Nada mais simples. Nada mais real.

2 Comments:

  • At 11:36 da manhã, Anonymous Anónimo said…

    Vou então generalizar:
    Na minha opinião, as gerações de hoje, e ao contrário daquela época, têm uma falta gritante de valores, estes valores surgem de um rumo, de um objectivo a perseguir. Isso existia antes.
    Hoje não temos um propósito. Somos os "Zombies" da era da infância tecnológica e de mercado. Somos os consumidores da era moderna. Vivemos para consumir e ter filhotes, porque não vemos um rumo à nossa frente. À nossa frente desenha-se um vazio alarmante de valores. Cada vez nos fechamos mais em nós próprios porque não vemos um propósito conjunto. Cada vez a nossa visão é mais curta e redutora ao espaço que nos "pertence" viver.

    O homem parece que voltou a ser o centro de tudo. De um ponto de vista narcisista.

    Somos "livres" mas não sabemos o que fazer realmente com essa "liberdade".

    Somos uns prisioneiros da nossa própria "liberdade".

    Como dizia alguém, em algum sítio, num qualquer momento, falta-nos acreditar numa utopia e trabalhar para que ela se concretize.

    Cabe a cada um decidir qual será essa "utopia", esse rumo, com uma visão mais abrangente do aquela que agora possuímos.

     
  • At 5:37 da tarde, Blogger alexandre said…

    Eu amo Alvaro Cunhal, é o meu idolo como homem que interage com o mundo, sempre o foi.
    Na minha opinião Cunhal devia ter saido mais cedo da vida politica e fazer o que ele fez depois de ter saido, dedicou-se mais à arte por exemplo, com optimos trabalhos.
    Acho que esse debate que referências simboliza um ponto de viragem entre o que se queria fazer da politica e aquilo que ela é agora. Sinceramente digo, nesse tempo Cunhal ja perdia o seu tempo, embora essa nunca tenha sido a sua opinião.
    Esse foi o tempo em que se começou a usar o escarnio de alguma comunicação social sem ética para denegrir a imagem de certas pessoas através de situações desadequadas ou mesmo inventadas.
    Foi também nesse tempo que Mario Soares introduziu o estilo do "deita abaixo o adversario politico através de comentarios cinicos contra a sua pessoa ou humoristicos que lhe destruam o raciocinio que desenvolve". Dou o exemplo de um momento em que A.C. falava de umas declarações contraditorias de M.S. e este para se safar imitou A.C. num tom gozão a dizer "olhe que não, olhe que não", fazendo com que toda a plateia se partisse a rir, ficando o discurso de A.C. para segundo plano da cena principal.
    Este estilo de coisas ficaram na moda da actividade politica e são efémeras, não é à toa que os mesmos jornalistas que criticavam o Cavaco a comer bolo-rei são agora os primeiros a aclama-lo para Presidente.
    A.C. fazia as coisas com consistêntia, como resultado de muito reflexão, estudo e seriedade, por isso se calhar o seu ar menos popularucho de cantor pimba que tem o M.S..
    Vai-se um grande homem, quem me dera estar à altura daquilo pelo qual ele lutou, continuar a sua luta, mesmo que num infinitésimo de avanço.
    Estou triste.

     

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