Os palhaços
Tentei resistir a quê? A gozar com a peça "Palhaço de mim mesmo". Tentei resistir porque a figura do Ruy de Carvalho - esse "grande actor da língua portuguesa" - parece ser qualquer coisa em que não se pode mexer, alguém que as pessoas "acarinham" e "estimam".
Mas que se lixe! Acho que o senhor já não dá para as curvas e afinal quem é que vai para cena com uma peça escrita pelo genro (supostamente inspirada no velho actor) que se chama "Palhaço de mim mesmo"? Está a pedi-las! Ainda mais quando o grande senhor do teatro tem uma teoria acerca da peça do genro: "Ele talvez pense que sou um palhaço de alma. E sou capaz de ser."
Essa conversa de acarinhar os palhaços também me irrita, são feios e assustam as crianças, mas adiante.
A interpretação da peça é partilhada com João de Carvalho (filho do Ruy) e o cartaz parece uma anedota. Os dois com cara de palhaços tristes dão cabo da paciência de qualquer pessoa. Para quê alimentar a ideia de que os palhaços são tristes? Provavelmente são tristes porque são mal pagos, vestem-se mal e partilham a casa com o elefante. E, mais uma vez, assustam as crianças, provocando apenas um riso nervoso em quem as vê. Um conselho para os palhaços: mudem de profissão, sejam mais alegres. Abracem a nova economia e tornem-se consultores de imagem ou técnicos de marketing especializados. São tristes à mesma, mas ninguém quer saber.
Mas o Ruy de Carvalho, ai o Ruy de Carvalho. Ele lá vai alimentando aquela imagem de grande senhor do teatro, humilde e sapiente, com uma lagrimazinha sempre presente para as constantes homenagens que lhe fazem. A imagem do verdadeiro artista, a sua última e derradeira ilusão. Só me consigo lembrar do senhor a fazer campanha pelo Santana, ao lado da outra grande senhora do teatro Eunice Munoz, para a CML. Penso apenas "vendido, vendido, vendido". Lembro-me dos anos em que o dito Santana era secretário de estado da cultura e que se limitava a garantir chorudas pensões exclusivas (sim, exclusivas) para o grande casal do teatro, baseando-se para isso unicamente na popularidade dos dois.
É por isso que não gosto do senhor do teatro Ruy de Carvalho. Porque gosto de outro teatro, o teatro livre, a arte livre.
Lembro-me do Mário Viegas que se recusou sempre, enquanto viveu, a concorrer a qualquer concurso a subsídio enquanto o Santana ocupasse aquele poiso. Cuspia na sopa porque não a queria comer envenenada.
O Ruy de Carvalho é apenas uma face visível de algo que abomino: o desprezo pela arte e pela liberdade que se traduz na colagem a figuras populares de valor artístico duvidoso. A demagogia dos valores pobrezinhos.
Vivam os verdadeiros artistas! O Ruy de Carvalho é só mais um palhaço. Coitadinho.
Fiquem-se com este excerto do texto: "Somos mesmo aquilo que somos ou somos apenas a imagem daquilo queremos ser?". Profundo!