naperon

Duas boas amigas juntam-se para desarrumar os bibelots.

domingo, julho 31, 2005

Série sim série não

Já falei aqui de ficção na TV. Entretanto, já me passaram pelas mãos os dvd's com as séries todas do "Sexo e a Cidade" e estou agora, em mãos, com o início das séries do Seinfeld.

Quando o Seinfeld começou a dar, eu achava piada, mas no fundo, no fundo, não suportava nenhuma daquelas personagens, à excepção do Kramer, que era demasiado louco para não se gostar dele. Todos me pareciam cruéis, egoístas e bastante idiotas. No entretanto, recomecei a ver e, não sei o que foi, mas agora adoro tudo sobre eles: serem obsessivos, só fazerem merda, serem uns completos imbecis emocionais.

Sei que, no entretanto, me agarrei muito mais à realidade e, agora, o Seinfeld parece-me do mais real que há e todas as fraquezas humanas das personagens são, de alguma forma, também as minhas. Isso só pode querer dizer que gosto mais do género humano, que gosto mais de mim.

Em comparação, revi no outro dia um episódio da Ally McBeal, série que antes gostava, e achei-a a mulher mais idiota à face da Terra.

Tornei-me amiga dos cínicos, dos reais, dos egoístas, dos lúcidos obcecados, dos manientos. Não suporto mais a ilusão auto-destrutiva e a fantasia da princesinha. Gosto de vê-los a viver em toda a sua incapacidade de acertar, detesto ver a ally parada enquanto sonha com o carrossel.

sexta-feira, julho 29, 2005

Sugestão de fim-de-semana

Parecendo que nunca mais começa, deixo-vos com uma sugestão para o fim-de-semana.

Dêem um passeio até Palmela e assistam ao FIAR. O Festival Internacional de Artes de Rua tem sempre coisas boas de se verem. Uma das possibilidades é o espectáculo Pino do Verão, do Bando, decorre, este ano, todos os dias às 23 horas.

Para os que estão a dar o litro para que tudo corra o melhor possível (e eu sei que estão), bom trabalho, obrigada e muita merda!

Expressões que definem uma cultura II

Ai que seca!

quinta-feira, julho 28, 2005

Saca-rolhas

Desde ontem à noite que andava a ouvir esta canção na cabeça, cantarolando-a. Depois do grande Manso me aparecer à porta para me pedir um saca-rolhas. À falta do resto, fico-me pelo refrão, esperando que ele, da próxima vez que me vir, ma cante.

Saca o saca rolhas abre o garrafão, viver sem vinho não presta
Saca o saca rolhas abre o garrafão e vem fazer uma FESTA


Para a próxima, traz o vinho e eu abro-te a garrafa. Bebemo-la os dois.

O outro lado da persona

Completando o post da minha boa amiga e porque isto de uma boa aposta faz-me lembrar os nossos jogos, aqui vai o lado Vicente cá da dita.

VICENTE

"Sensível e criativo, Vicente vive permanentemente ao sabor dos sentimentos. Age acima de tudo por amor, amor pela harmonia e beleza, amor sincero pelos outros. Preocupa-se com o que os outros pensam dele e, na vida social e sentimental, triunfa pela sedução e magnetismo."


Mil e tal nomes próprios, de Ana Belo.


Isto é melhor que o horóscopo. There's a side to every story.

Como é que te chamas mesmo? Ah deixa-me consultar aqui o meu livrinho.

Os homens das obras

Sempre me questionei, perante as grandes obras de engenharia, como é que se dirigiam os trabalhos. Vão para lá aquelas pessoas todas, trabalhadores sólidos e destemidos, mas que não têm ideia do todo que estão a construir. Especializar-se-ão? Do género: eu sou o gajo que empilha os tijolos, enquanto há outro que lhe diz onde tem de empilhar os tijolos. E quando se tem uma dúvida, avança-se? São questões que de facto me preocupam quando passo por grandes obras. Esse buraco é mais ao lado. Que buraco? Eu faço o cimento, pá. Imagino o primeiro dia de uma grande obra. A distribuir tarefas... Para mim é demais. Gostaria de pensar que quem está a construir uma ponte ou um prédio de 20 andares sabe o que está a fazer, mas não. Quer dizer, sabe perfeitamente o que está a fazer naquele ponto, mas se calhar não sabe qual é o sentido daquele ponto no todo.

Passo por uma obra e penso nisso. E, embora não arranje uma solução para o assunto, ocorre-me que uma das funções para que estão claramente designados é a da arte do piropo, do assobio, da boca foleira, do estímulo ao ego feminino e da manutenção da virilidade do macho. Ao menos, no primeiro dia de trabalho, eles sabem que têm de fazer isso. Para mim, isso já é um conforto, um grande conforto.

Keep up the good work, boys!

O derradeiro encontro?

No domingo, às 19 horas no Teatro Camões, os bailarinos do ex-Ballet Gulbenkian vão reunir-se para um último espectáculo. Pretendem assim encontrar-se pela última vez com o público. A entrada é livre e os bilhetes poderão ser levantados a partir das 15 horas de domingo nas bilheteiras do Teatro Camões, Parque das Nações, Lisboa.

As razões e o programa estão nesta notícia.

Prevejo filas à semelhança dos U2 e da Madonna. Haja talento.

quarta-feira, julho 27, 2005

Post a puxar ao sentimento

Uma semana e um dia foi o tempo que passei sem ver a Criança. Já me custava. Hoje, passados oito dias aqui está a Criança. Impressionantemente bela. Uma semana é suficiente para lhes vermos as diferenças, como a barriga da minha boa amiga a crescer.

Ao jantar, do nada, disse-me "Tens de deixar de fumar. Faz-te mal à saúde."

Gelei, engoli em seco e disse "Pois tenho". Ao que a Criança respondeu "Hoje? Achas que vais deixar de fumar hoje?". Oh Deus, alguém me salve, pensei. Disse "Sabes que é difícil deixar de fumar?". Quis logo saber porquê. Tem 4 anos, quer saber porquê, que diabo! "Porque quando se começa, é muito difícil. É por isso que nunca se deve começar". Ca ganda lata, ó Ana Vicente, pensei. Mudámos de assunto felizmente, não sem antes ter descoberto que a responsável pela recente preocupação da Criança tinha sido uma amiga que se virou para mim, num dia em que eu não me lembro mas que a Criança se lembrava perfeitamente, e me disse "Tens de deixar de fumar. Faz-te mal à saúde."

Faz como eu digo, não faças como eu faço. Ai, a educação deste país...

Merda, tenho de deixar de fumar.

Ai o meu querido carrinho... (post materialista)

A propósito desta conversa, tenho a dizer que, ao fim de 3 dias, recuperei o meu carro. Foi passar um tempo ao mecânico para hoje me ser devolvido sem máculas nem erros no seu exame de inspecção. Que orgulho!

O mecânico, contente da vida, disse-me: "Até tirámos os bancos, limpámos tudo. Até fui comprar um produto especial para limpar o tabliê, 'tá como novo". Para quem conhece o meu carro, isso são boas notícias. Não, são realmente muito boas notícias. O meu carrinho já tinha o prémio de carro mais sujo do ano, todo o ano. É uma média difícil de alcançar, posso não chegar a extremos doentios, mas consigo uma sujidade constante invejável.

Em relação aos transportes públicos, fiquei-me pelo táxi. Tudo contadinho, revisão+inspecção+táxis, foram os três dias mais caros da minha vida. Ok, desconte-se a gasolina que poupei e... esqueçam.

terça-feira, julho 26, 2005

It's raining again...

É tão bom ver a chuva a cair desta maneira, a água a tombar do céu, em quantidades visíveis, audíveis, cheiráveis, tocáveis e até "gostáveis" se me atrevesse a pôr a cara lá fora e a abrir a boca.

Lamento por todos aqueles que foram apanhados de sandálias na rua, mas que beleza esta chuva em Lisboa. Do pátio da minha casa vem o cheiro a terra molhada. Enganam-se os que dizem que a água não tem cheiro. Cheira a esperança e a renovação.

Neste fim de Julho, não poderia haver cenário mais paradisíaco.

Obrigada.

Almoçarando VI - Fruta desleal

Hoje fui descriminada ao almoço por ser uma das poucas pessoas que não gosta nem de manga nem de melancia. Eis o relato.

Eu - Isso é pêssego ou manga?
AM - Pêssego.
Eu - Obrigada, meu Deus, por me livrares da manga. Sabem que a manga é uma abóbora undercover.

Olham-me como se não dissesse coisa com coisa.

Eu - Sim, é verdade: é uma abóbora a fazer passar-se por fruta, mas a mim não me engana.
Sandera - Já alguma vez viste uma abobóra?
Eu - Sim.
Sandera - Aberta?
Eu - Sim. Quando está a crescer, antes de ficar madura, a abóbora é uma manga.
Sandera - Já viste uma abóbora aberta? A cor da abóbora é tipo a cor da Papaia.
Eu - Sim, eu sei. A manga é um bocadinho mais amarelinha, mas essa é a cor da abóbora quando não está madura.
AM - E aquelas pevides todas...
Eu - Imagina a abóbora antes de ir para a sopa...
Sandera - Boa amiga, sabes que estás a navegar na maionese.

Calei-me. Era óbvio que aquela não era a minha audiência. Passado um bocado, a Sandera saca da melancia.

Eu - Sabes que a melancia é um morango inchado?
Sandera - Oh meu deus! Deixa a fruta ser diferente!

Eu aceito a diferença, mas, de qualquer modo, aconselho-vos a reequacionarem as vossas escolhas no que a fruta diz respeito...

Almoçarando V - O dia dos avós

Hoje é dia dos avós.

Há uma programa especial na RTP 1 a decorrer em directo no Pavilhão de Portugal outdoors, vulgo debaixo da pala.

A nossa hora de almoço foi especial. Tentem fugir das velhinhas para não levarem beijinhos, fazer um percurso ao som de Roberto Leal e agarrar as cadeiras da vossa mesa sem que sejam enxovalhados e acusados de falta de respeito pelos mais velhos. Sinto-me numa festa de aldeia em mega-escala. Só visto!

Bem hajam todos os avós. Neste dia e nos outros.

Uma das coisas que gosto na blogosfera...

... é o facto de uma pessoa que comenta o teu blog, ou cujo blog comentas, poder estar sentada mesmo ao teu lado e tu não fazeres a mínima ideia. É por isso que, neste momento, estou muito contente: apanhei uma.

Deus, sou mesmo control freak.

segunda-feira, julho 25, 2005

Um homem da Biologia

Graças a um dos nossos indispensáveis, tive a oportunidade de ler um artigo de opinião estrondoso, publicado no Primeiro de Janeiro.
O autor, um tal de Levi Guerra médico e professor universitário, escreve sobre um artigo de Mario Vargas Llosa, publicado no El Pais. Apresentando o seu ponto de vista como "médico", "homem da biologia" e "pai e avô", o nosso cronista aproveita para nos apresentar uma visão sobre a homossexualidade e os casamentos entre pessoas do mesmo sexo.

Gostaria muito que linkassem no tal artigo de opinião, o lessem e, se a vossa consciência assim vos exigir, enviassem um comentário, opção que o jornal disponibiliza, em letras minúsculas no fim do artigo. É que como "médico" e "homem da biologia" este senhor precisava de um bom enxovalho público.

No entretanto, deixo-vos algumas preciosidades para se entreterem.

"E olho o mundo, como é e como foi, e reflicto no como virá a ser, sem pretender ser profeta que para tal não tenho missão."

"Não, no reino dos seres vivos mais diferenciados a homosexualidade não existe nessas espécies tal como se quer defender como normal se isso se passa entre homens, ou entre mulheres."

"Que tribus aí se descobriram já onde se tenha praticado a homosexualidade? E nos haréns? Aí sempre houve mulheres de sobra, não “aproveitadas”, e foi que se entretiveram em jogos homosexuais entre si para seu gáudio e forma de estar? Nunca ouvi tal. E houve aí, nas civilizações que nos precederam, haréns de homens? Onde califas “machos” tivessem preferido homens a mulheres para os seus “deleites” eróticos? Onde?"

"(...) perante um seu doente que se lhes vai queixar das suas tendências homosexuais evitam naturalmente rotulá-los de doentes, mas antes ajudá-los a tentarem identificarem donde terá vindo, ou quando terá surgido, tal tendência, e apaziguam-nos, e não me parece que não tentem, até onde se imponha a prudência e o realismo clínico da situação, estimulá-los a preferirem a heterosexualidade. Dir-me-ão, por certo, que isso já se não faz muito, porque não dá sucesso, o mesmo é dizer que é incurável. Seja isso, não discuto, como não discuto a incurabilidade doutras doenças. Mas o que não deixo é de dizer que a homosexualidade é uma doença do foro psiquiátrico."

"O que é doença é doença. Quem é doente procura legitimamente auxílio médico e recorre, se necessário, à solidariedade social que os deve apoiar. Não os homosexuais? Ah! Se quiséssemos explorar este capítulo, onde chegaríamos? Não vou por aí."

"Não venha o Senhor Llosa , ou outros Prémios Nóbeis quaisquer –e que hoje já tão desacreditados estão…- defender que se dê aos pares homosexuais os mesmos estatutos que à Família donde eu nasci, e penso que ele também, com um Pai e uma Mãe."

Precioso, hein?

Termina com um simpático e caloroso "A vós, leitores, o juízo."

Ai, o meu juízo, o juizinho que me falta para acrescentar ainda isto:

- Será que ele está mesmo a falar de homossexualidade? É porque tira-lhe sempre um "s".
- O que nos distingue dos animais sempre pensei que fosse a inteligência. Mas o dr.Estranho Amor parece não usar muito a sua.
- Já ouvi dizer que há animais que se prestam a actos homossexuais. Mas que sei eu? Eu não sou uma "gaja da biologia" e bem sabem que gosto deles é à distância.
- O amor entre pessoas do mesmo sexo é documentado e relatado há... pffff, nem consigo contar pelos dedos. Mas os manuais de Antropologia do dr.Levi (mas não levo) Guerra não fazem menção a quaisquer tribus (?) que tenham levado.
- Até me revolve o estômago pensar em todas aquelas mulheres do hárem não "aproveitadas". Jogariam às cartas ao menos?
- Um tal de Telmo, concorrente do Big Brother, disse uma vez que "a homossexualidade não é uma doença", porque ele achava que tinha "cura". Já o nosso dr. acredita no contrário. Para aqui vai dar o mesmo, não fosse dar-se o caso de o primeiro ser um "pobre coitado" de quem a malta se ri e o segundo ser um douto professor, com espaço de opinião e tudo.
- Se ao menos os homossexuais tivessem a cortesia, quem sabe até a humildade, de reconhecerem a sua "anormalidade" e procurassem a "solidariedade social", quem sabe não haveria "esperança" ou mesmo "salvação"? Pois, é melhor não entrarmos por aí.
- Se, com os estatutos da Família, vem incluída a estupidez, a ignorância e a imbecilidade do dr."pai e avô", então não, obrigada, deixe lá estar, fica para a próxima.

Precioso, sem dúvida. Não calem o dr. por favor, para que todos possamos revoltar-nos, para que não nos tranquilizemos na nossa "normalidade" e tomá-la como garantida. Deixem-no falar sobre essa causa, para que a sua cova seja tão funda como o verdadeiro amor. Deixem-no enterrar-se para que floresça enfim o direito de amar em pleno.

Juizinho, leitores do Naperon...


P.S. Por favor, corrijam-me se estiver errada, mas o Mario Vargas Llosa nunca ganhou nenhum Nobel (é tratado como o eterno nomeado). Aqui, nada consta, mas se calhar o site oficial do Prémio Nobel não está actualizado. Como não leio jornais, não quero acusar o nosso dr. de mais uma tamanha calinada.

P.S.2 Estou a escrever este post pela segunda vez. Da primeira, o blogspot censurou-o. Suponho que haja um limite de estupidez a incluir em cada post e eu excedi claramente o deste com tanta transcrição. No Primeiro de Janeiro ainda não têm este software...

A desculpa do sentir

Até quando vamos usar a desculpa do é o que sinto para justificar a merda que fazemos?

Esta nossa geração, cheia de problemas emocionais estruturais, cheia de sonhos por concretizar, ideais de amor impossível, repleta de complexos de culpa, baixa auto-estima, usa muito a palavra sentir. As emoções toldam-nos a visão, mas parecemo-nos orgulhar disso. Como se fosse algo de especial: sentir.

Estou farta de ouvir essa desculpa. Se começassem a pensar, era fixe. A usar o racional, o pensamento, a lógica... enfim.

Desculpem lá, é o que estou a sentir.

sexta-feira, julho 22, 2005

Moving at the speed of life, we are bound to collide with each other

Colisão é o nome do filme. Retrato da mescla - um melting pot que separa mais que culturas, que nos separa enquanto indivíduos, enquanto seres humanos.

Até onde é possível aproximar-nos? É a partir deste choque que gostaria que mudássemos. Mudar mesmo, ser a mescla efectivamente. A cultura que define aquele filme é a mistura. O que nos une é a incompreensão mútua. Talvez seja isso o ocidente, ou simplesmente o ser humano, aquele que mantém as distâncias ao mesmo tempo que se aproxima sem saber como. Vamo-nos ignorando e mantendo-nos debaixo de olho. Até ao limite da violência, como neste filme.

Um grande filme.

quinta-feira, julho 21, 2005

O meio

Sempre tive a feliz sensatez de não pertencer a nenhum meio. Estou sempre com um pé dentro e outro de fora.

Ontem assisti a uma cena caricata impossível de compreender por um comum mortal (eu, neste caso) que não pertencesse ao meio das duas pessoas com quem fui jantar. Encontrámos outras pessoas do meio delas e, apesar de nenhuma das minhas acompanhantes o desejar, acabámos por ser deglutidas para o meio. Eu, fora daquele meio ou de qualquer outro, assisti absorta, não compreendendo nada e temendo pela minha sobrevivência no mundo real.

Isso fez-me reflectir um pouco sobre o assunto. Os meios têm algumas características fundamentais:
a) são fechados. Pertencer a um meio é o mesmo que pertencer a um clube. A entrada de novos membros passa pelo aval dos membros mais velhos. Os membros mais jovens, já integrados, são vistos com desconfiança e o seu caminho é-lhes dificultado.
b) são pequenos. Toda a gente conhece toda a gente. Toda a gente fala de toda a gente. Toda a gente sabe quem tem o poder e quem tenta "roubar" o poder.
c) são mesquinhos. Para entrares precisas de te associar, para seres bem visto tens de te associar. Se fazes isso, o que é que isso significa para mim? Nunca se esquece nada, guardam-se rancores, porque toda a gente sabe que se aquele fez isso, foi contra mim.
d) são o centro do mundo. Existe alguma coisa para além do meio? Quando estás no meio, nada mais tem importância. Não existe, não vês, não entendes.
e) são estanques. Nada muda, apenas vão morrendo as pessoas. Mesmo os que são "expulsos" continuam a pertencer ao meio por exclusão. Quando se refere mudança no meio, deve entender-se mudança de cadeiras e de quem tem mais poder no meio.
f) têm um código próprio. Uma espécie de normas de conduta específicas e até uma linguagem própria, normalmente associados ao seu metier. Para os que estão fora do meio, não têm qualquer valor nem percepção.
g) têm uma hierarquia baseada nesse código imperceptível. Mérito, talento, honestidade não são factores de valorização. A hierarquia permite que o meio se mantenha vivo, pois é um factor de constante mobilização das pessoas do meio - tentam ocupar uma diferente posição, um nível acima na hierarquia, ao mesmo tempo que têm de assegurar as posições já adquiridas.
h) baseiam-se no relativismo. Tu não percebes. Neste meio é diferente. Com esta abordagem desculpa-se qualquer sacanice ou desrespeito por princípios básicos.
i) não é um grupo. É tudo menos um grupo, há é grupos dentro do meio. É uma espécie de selva.
j) quer poder. Mesmo sem poder, o meio sobrevive. Mas o meio precisa de entrar no meio do poder, outro meio constituído por membros proeminentes de diferentes meios de forma a garantir mais poder. A associação ao meio do poder é garantia de subida na hierarquia de qualquer meio. Olha que ele é primo do... É igualmente importante a associação a meios semelhantes, mas de algum modo diferentes, para arranjar uma plataforma comum mais poderosa.
l) é invisível. Para quem está fora do meio, o meio não existe. Daí a importância do meio do poder. A visibilidade é um factor fundamental para qualquer meio. No mundo real, o meio que não tem poder, assim como os seus dramas e valores, passa ao lado.
m) aquele que não se interessa pelo meio é o mais assediado pelos meios. Qualquer meio deseja ter o que não se interessa pelo meio - é o mais desejado, é o que está acima do meio. Daí que, qualquer pessoa que não queira pertencer ao meio, não deve andar para aí a gritá-lo, pois sujeita-se a que o estejam sempre a chatear.
n) é feito à semelhança de um país.
o) é feito pelas pessoas que dele fazem parte. Por isso não há desculpas.

Cresce em mim algo de obtuso

Neste momento, já não é possível baixar a guarda. Duas semanas depois, voltam as explosões em Londres. Ainda não é possível saber o que é, como é, quem foi... ainda é cedo. Ou provavelmente tarde demais.
Os que falam de pessoas encostadas nos divãs podem calar-se, agora mesmo. Já não há sonos descansados. Há que manter a vigília e há que continuar. Já ninguém pode assistir descansado a esta guerra. Esta guerra é feita de olhos abertos, porque a ameaça é a nós, exclusivamente a nós, no que nos define como "nós", no bom e no mau. Mas é o que nos define que se ameaça, por muito podre que esteja. Ninguém pode mudar-nos a não ser nós mesmos - ninguém tem esse direito.

Lutar esta guerra, neste momento, é resistir, sendo, apenas sendo. Sendo tudo o que queremos ser.

Cresce em mim algo de obtuso. Neste preciso momento. Este post é já um sintoma disso. Não sei se me receie se me tranquilize.

quarta-feira, julho 20, 2005

Ainda sobre influência (post fanático, lamento)

Um colega meu pediu-me se podia arranjar-lhe discos antigos da Adriana Calcanhotto. Pela minha cara, deve ter percebido que era fã, porque acho que nunca lhe falei da minha paixão louca pela dita. Bom... Eu lá lhe arranjei os que tenho (como é possível falhar-me o Maritmo?) e aproveitei para pô-los no meu iTunes do emprego. E ouvi-los, claro.
Desde o Enguiço, em que a Calcanhotto usava uma inacreditável cabeleira amarela e umas roupas berrantes, ainda bem longe da sofisticação que tem apurado nos últimos discos, até o Cantada, expoente máximo da inteligência desta mulher, fui ouvindo estas canções que me atravessam.

Ouvindo-a, na perfeição da voz com as palavras, lembrei-me desta nossa recente conversa, aqui mesmo em baixo. Pois se há coisa, criação, arte, que se funde na minha vida como verdade orientadora das minhas emoções são as canções da Calcanhotto. Há, pois, outros brasileiros, todos eles brilhantes, luminosos e irresistíveis, mas nenhum diz a verdade como a Calcanhotto. Foram a banda sonora da minha cabeça, da casa, das minhas emoções, em todas as relações, em todos os vazios, em todos os momentos. Foram a voz. Plagiei-as, usei-as, degustei-as, encharquei-me delas como se fossem alcóol. São minhas até ao último verso, em cada batida.

Foram o meu ensinamento do amor, antes sequer de saber o que isso era. Disseram-me da paixão, da desilusão, do fim, do sexo, do tempo, do riso. Disseram-me tudo.

Por isso, agora posso dizer que a criação só funciona com reconhecimento. Foi preciso ouvir tudo de seguida para me lembrar.

terça-feira, julho 19, 2005

Efeito comédia romântica em adultos pseudo-desencantados

Ontem fui ver uma comédia romântica. Gosto de ver. Há já muitos anos. As Meg Ryans, os When harry met sally's, loiras e morenas, o tímido e o descarado, os que estão sempre à luta e no final ficam juntos, o acaso, o destino, tudo de uma ponta à outra... comédia romântica, lá está a Ana Vicente. A minha abordagem e recepção deste tipo de filmes tem vindo, no entanto, a mudar. Uma pessoa vai crescendo, vai ficando desconfiada, vai fazendo pfffff nalgumas cenas, numa palavra vai perdendo a capacidade de se encantar.

Ontem, percebi ao milímetro toda a minha relação com o filme. Durante o visionamento, ri-me, fiquei contente, entusiasmei-me, mais perto do fim, comecei na fase de encolher os ombros, na desconfiança, é pá, não era preciso isto até chegar ao happy end. No happy end, o sorriso está lá, quer aparecer, mas ficamos no escuro do cinema à espera que ele se vá embora, para podermos voltar a saber que nada daquilo é real, mas quem é que eles julgam que estão a enganar. O sorriso aparece e desaparece, até se sair da sala.

É melhor do que pensava, digo eu. É bem divertido, fartei-me de rir. Depois pomo-nos a falar de como eles são giros, ui, grandes giraços. Até voltar o silêncio. O silêncio vira sorriso comprometedor, oscila entre o contentamento infantil de "ai, ai, é tão lindo o amor", o sentido de perda "merda, quero sentir aquilo outra vez" e o puro desprezo "estes gajos de hollywood estragaram-nos a cabeça com estes filmes e por causa disso tivémos de sofrer a desilusão amorosa". Nenhum destes estados corresponde ao verdadeiro efeito comédia romântica. Porque o que, de facto, nós sentimos é tudo isso mais uma coisa que muda tudo: a distância. Já ninguém me tira a distância. Continuo a divertir-me, a emocionar-me, a regozijar-me com o amor daquele par, a dizer que disparate, mas estou um passo atrás. Tudo é entretém de cabeceira. Frui-se e vai-se.

No fundo, o efeito comédia romântica é um swing. Sentimo-nos leves (de novo a leveza?) para dançar e dançamos. Sozinhos ou acompanhados, dançamos. E, quando o efeito passa, continuamos a saber as mesmas coisas. Talvez por isso saiba que não perdi a capacidade de encantar-me, pelo contrário, perco é a capacidade de me desencantar. Gosto mais da realidade agora, mesmo com tudo, e gosto do swing e do ritmo que lhe vamos imprimindo com os nossos pequenos e grandes encantamentos.

segunda-feira, julho 18, 2005

Paradoxos de uma cultura

Somos o povo mais pessimista da União, mas não é isso que nos impede de jogar no Euromilhões.

Breve reflexão sobre a mudança

Há pessoas que têm medo da mudança, mas a maior parte dessas tem é medo de perder poder.

Post a piscar o olho ao flirt III

Olha por ti

Olha para mim pá
E vê como eu dou
Importância às coisas fundamentais
huhuhu

Jogo de rins (?) pá
E os trunfos marcados
Já ninguém chora
os sentimentais

Perdi as asas na lua
Apostei o meu chapéu
Mas saltei em andamento
Antes do céu

Ai de mim, Ai de mim, Ai de mim

Se não for eu vá
Olha para mim pá
Hoje é de graça

Vou mostrar-te aquilo que não se vê
êêêêêê
O lado negro da minha história
Que eu trago atrás no cabriolet


(dancing)

Perdi as asas na lua
Apostei o meu chapéu
Mas saltei em andamento
Antes do céu

Ai de mim, Ai de mim, Ai de mim

Se não for eu pá
Olha por ti pá
Vê se apareces
A sorte encontra-se por aí
íííííííííííí
Aos teus pesadelos
Diz que me conheces
É que eu lá no fundo
Gosto de ti


Ala dos namorados

*das canções mais hilariantes que conheço. Ainda acerca do que se tem vindo a falar, da leveza ao mergulhar...

sábado, julho 16, 2005

Outdoors de mau gosto

Publicidade de mau gosto é o que não falta. Aliás, muitas vezes chega a ser um redundância. Mas, em tempos de campanhas políticas, a coisa descamba e chega a pontos do insuportável. Há alguns exemplos que gostaria de partilhar convosco.

Comecemos pela margem sul. Há um cartaz do candidato do PS que diz "Almada está parada no tempo. É tempo de seguir em frente". Eu não sou da margem sul, mas conheço relativamente bem Almada (e o seu concelho) para dizer que este headline é um autêntico tiro no pé. Se há coisa que Almada não está é parada no tempo. Gosto da margem sul, gosto da malta da margem sul, vivi grandes momentos da minha vida na margem sul (ainda ontem). Um candidato que diz isso de Almada põe toda a gente contra ele - tenho a certeza que a maior parte dos eleitores do concelho se sente ofendida com este raciocínio. Como se não bastasse, o cartaz tem uma foto de fundo a preto e branco que parece Cacilhas dos anos 40. Vai-se a ver e o senhor não deve andar a sair muito.

Não directamente relacionada com as autárquicas, há ainda o triste cartaz do BE, com a foto do Sócrates enraivecido, mais parecendo um animal selvagem, que diz "Foi para isto?". A frase é o resultado de "aumento do IVA, aumento da idade de reforma" e outra medida que agora não me lembro. A foto e o headline são altamente demagógicos e não evocam nada de positivo à estratégia do BE. E sabem bem que não sou suspeita...

Cartaz de Isaltino Morais em Oeiras - Uma foto com uma rapariguinha com uma imagem de fundo em fundo (será uma praia?) com a frase "Quero Oeiras mais à frente". Sem comentários! Haja vergonha.

Político, mas não partidário, e completamente inconsequente, há a campanha do Continente. "Os portugueses merecem 0% de IVA". Merecem? Grande ideia esta de pôr em causa todo o nosso sistema social em prol de uma suposta justiça para os portugueses. Em termos publicitários, a ideia funciona e, como estratégia de marketing, é brilhante. Os consumidores têm um benefício directo evidente: recebem um vale com o valor do IVA para fazerem mais compras no Continente e o hipermercado não perde rigorosamente nada, antes ganha mais movimentos.

Contra a minha preferência e ao contrário do que a maior parte das pessoas diz, acho que o cartaz do Carmona Rodrigues está perfeito em termos de comunicação. A pose, o design simples, a escolha do vermelho, a empatia com os eleitores através da frase na primeira pessoa do plural e a não referência ao PSD. Um cartaz inteligente que, espero, não dê frutos.

Reminiscência tardia

Quando uma relação começa a deteriorar-se, pensa-se em relação ao outro: quem me dera voltar a apaixonar-me por ti. E esse desejo não se expressa com carinho, expressa-se com raiva, como se fosse culpa do outro termo-nos desapaixonado. Como se fosse sua responsabilidade não nos reapaixonarmos. Dessa mágoa, passa a viver a relação e por muito tempo pode daí alimentar-se.

sexta-feira, julho 15, 2005

Conversa a 13 - O tema que vai estoirar

Já sabem a conversa toda, mas o desafio não tem sido ultimamente o sucesso esperado, por isso hoje decidimos lançar um tema que tem mesmo a ver com o Naperon e que vai agitar a malta! O estado de graça já passou, ninguém vem a correr para comentar...

(Todos os meses, no dia 13, o Naperon lança-vos um desafio: escreverem o que quiserem sobre um tema proposto por nós - o Conversa a 13. Aceitaremos apenas 13 comentários, por isso terão de se apressar. Durante o mês, o post Conversa a 13 ficará sempre na primeira página do nosso blog para que todos os 13 possam participar.
Vá, ponham-se à conversa.)

Desta vez o tema é: Decoração.

Naperons, bibelots, pechisbeque, veludos, transparências. Se isto não for um sucesso, não sei o que será.

Agradecemos desde já a vossa disponibilidade.

Easy come, easy go

É oficial: o speed dating já existe em Portugal. O conceito é simples e estapafúrdio: X homens e X mulheres vão ao mesmo lugar e conversam 4 minutos com todas as pessoas do sexo oposto. A ideia é criar novas amizades e possibilidades de encontros futuros. A notícia vem bem desenvolvida no Público de ontem.

O modelo é norte-americano, claro, e já está bem aplicado e espalhado pelos países modernos. Sim, modernos, leram bem, porque isto é um sintoma dos tempos modernos. Da vida concentrada, centrada, fechada, parada. Em que a única maneira de conhecer pessoas é em 4 minutos. Porque nem sequer tens mais para dispensar. Porque não conheces ninguém fora do local de trabalho, em que passas 10 horas por dia e fantasias coisas que não existem com os teus colegas desinteressantes e parados. Mas tu já te esqueceste, porque entretanto passas demasiado tempo fechado, fechadinho, e o desinteressante vira interessante porque não há mais nada. E as vozes que imaginas daqueles nicks marados com que te cruzas na net. Uma teia, uma teia em que entraste, que te faz reviver esse sentimento antigo, perdido, do qual tens apenas reminiscências. Já nem sais, já nem sabes. Viste tudo, não conheces nada. E até é uma experiência gira.

Conhecer pessoas, esse grande desafio, essa grande dificuldade. E julgar poder conhecê-las em 4 minutos. Escrever num papel sim, não, talvez. Pensar no tempo que as minhas relações demoraram a arrancar. Os minutos que se gastaram em quem és, de onde vens, que me queres, pode ser, vem cá. Pensar em todos esses minutos, na expectativa, no medo, na ansiedade, no momento em que tudo se consome, consumidos que estamos pela urgência. Pensar que os tempos modernos nos querem arrancar todo esse tempo, dizer-nos que já não precisamos dele. Arrancam-nos o tempo.

Importa-se o modelo do speed dating, mas o dating ainda nem sequer cá chegou.

Não tenho nada contra. Acho um lindo e grande disparate. Mas desta vez, este sintoma cheira a desespero a mais.

A minha nova obsessão

Hoje, a passar de carro no Camões, ouvi um homem gritar, entusiasmado e todo contente, para outro: já fui comprar duas garrafas de espumante para abrir logo à noite.
Não precisei ouvir mais para saber por que pensa ele que vai comemorar. Haverá alguém que não saiba do que estou a falar?

Ah, era tão bom... aumentavam-se-me as hipóteses (estou a esfregar as mãos, a minha cabeça curva-se quase até ao umbigo e os meus olhos estão vidrados em ponto nenhum). Oh Deus! Já estou fuinha antes do tempo... alguém me ajude: PÁREM DE JOGAR AQUELE JOGO QUE NÃO POSSO DIZER O NOME, para não vos lembrar disso...

(afasto-me assobiando e, quando penso que já não me estão a ver, corro até um dos cerca de 4500 pontos de venda como se não houvesse amanhã)

quinta-feira, julho 14, 2005

Quando for grande, quero ser...

Ontem, na Gulbenkian, reencontrei uma antiga colega de escola que já não via, ui, há uns bons 10 anos. Como é típico nestas situações, e rejeitando eu a maternidade sanguínea da Criança que me puxava pela mão, perguntou-me o que fazia. Automaticamente dei a resposta da praxe - respondi que era... indicando a profissão, o emprego, que me paga o salário. Até aqui tudo bem, diriam vocês. Mas, não, digo eu. A verdade é que eu faço muito mais coisas que este emprego assalariado que tenho. Coisas muito mais importantes para mim e que gosto muito mais de fazer. E estou a falar a nível profissional, não estou a falar da natação ou de passear aos domingos.

Que raio de mania esta agora de as pessoas perguntarem o que é que fazes, como se isso as valorizasse. Que raio de mania a minha a de responder, como fui ensinada talvez ou por puro preconceito cultural, a dar a resposta válida para as finanças, para o inquérito de rua ou para um qualquer desconhecido. A dizer eu faço isto, porque recebo aquilo no final do mês por fazer isto.

Está visto que me despertou uma reflexão mais profunda sobre a minha vida, que tem estado latente em todas estas semanas seguidas de jackpot do Euromilhões. Normalmente, quando digo que sou... indicando a profissão, o emprego, que me paga o salário, faço uma careta. E as pessoas percebem que aquela careta quer dizer qualquer coisa. E depois fazem a pergunta que se segue à pergunta da praxe: mas o que é que isso tem a ver com Filosofia. Eu digo que nada tem a ver e várias vezes reafirmo que o curso de Filosofia não serve para nada. É uma piada, e digo-o como uma piada. Mas também é verdade, embora seja uma grande mentira. É complicado, está bem de ver.

Quando os meus amigos da outra área (a criativa e artística) me perguntam "então o que andas a fazer?", eu também respondo a trabalhar e tal, nada de especial, e depois é que me lembro do texto X que escrevi para o sítio Z, do projecto Y em que estou metida há quase dois anos ou do épico que escrevo lá por casa. Ou até mesmo o Naperon, coisa tão importante!

Pois bem, a verdade é que, embora saiba mesmo o que gosto de fazer, ainda ando às aranhas para descobrir o que quero fazer ou como chegar lá.

Tenho tido uma relação com os meus empregos sempre temporária, mesmo quando se torna claro que não tenho um emprego temporário, que até pode bem ser definitivo. Digo sempre "eu não sou isto, é só aquilo que faço". E por isso me maçam tanto essas perguntas... o que é que fazes? O QUE É QUE ISSO TE INTERESSA? A verdade é que não sei responder e bem posso fingir que faço este trabalho para que me pagam ou que trabalho em teatro e noutras coisas e bláblá, mas a verdade é que não sei o que faço. Porque não faço nada, não estou comprometida com nada, a não ser com aquilo que escrevo e isso está em tudo, até nesta porcaria de trabalho em que pagam todos os meses certinho...

Não vos disse que a filosofia não servia para nada?
Está bem de ver que é mentira: serve para me azucrinar a cabeça.

Da próxima vez que me perguntarem o que faço, juro que vou dizer que ainda estou a descobrir. Que não sei, que não faço ideia. A minha boa amiga aconselhou-me a treinar ao espelho: faço isto, mas também aquilo e aqueloutro. Hum...

quarta-feira, julho 13, 2005

Almoçarando III - elogio furado

Eu (olhando para as batatinhas assadas no forno da AM) - Essas batatinhas são tão boas. Bem melhores que fritas...

AM (tom de perspineta) - E então?

Moral: Nem sempre os nossos amigos estão disponíveis para aceitar elogios à sua comida... Há que respeitar. Não meterás o bedelho na comida dos outros.

Almoçarando II - o caso das comidas estranhas

Transcrição (sem ser à letra) do diálogo do almoço, entre a brigada do tupperware.

K (sotaque venezuelano) - Que é isso que estás a comer? A tua sandes tem salsicha?
C (com uma sandes do Pans&Co na mão) - Sim, salsicha, bacon e queijo.
K - É páááááá, que estranho. Salsicha no pão!
Eu - Estranho? É como os cachorros quentes...
C - Sim, o que tem de estranho?
K - É páááááá, é estranho... não é como um cachorro.

Eu (olhando para a comida do K e depois para o C, solidária) - Isso vindo de uma pessoa que está a comer atum grelhado, acompanhado por abacate, pepino, cenoura, tomate e feijão verde...
C - Não tens muita credibilidade para apontar a comida dos outros como estranha.
K - É páááááá, é saudável. Não tem nada de estranho.

Eu - Realmente, que coisas malucas inventam. Salsicha no pão.
C - Qualquer dia começam a pôr natas no bacalhau.
Eu - Sim... a fazerem comidas salgadas com natas. E aqueles malucos do McDonald's, que conceito revolucionário, carne no pão.
K - É páááááá, que estranho.

Cenário improvável de catarse

Lisboa, Rua dos Fanqueiros, fim de tarde.

Duas mulheres choram por motivos diferentes. A morte e a família. As portas do carro abertas. Uma terceira mulher socorre as duas, sabendo que não salvará nenhuma. Três cigarros são fumados. No passeio, as pessoas olham. Há uma loja (riomar) que anuncia uma secção para PESSOAS FORTES. Uma das duas mulheres que chora diz "somos nós". A terceira mulher sente-se a improvisar num cenário improvável, sem grandes falas. Já as usou muitas vezes - não se repetirá. Se calhar, já não acredita que alguma coisa que diga sirva para alterar o enredo, o drama. Prefere guardar o momento para ficção, será? Aí será mais claro o que pensa - a vida é mesmo assim.

Antes de partirem, sorriem. Não sei bem porquê, mas sorriem. Regressam a cenários mais prováveis. Entram no carro com as portas abertas e partem. A terceira mulher conduz. Falam de luto. O luto já começou há muito tempo. Mas tarda em terminar.

A terceira mulher sabe o que a une às duas mulheres que choram. Mas tem uma sensação de momento inusitado. Foi um momento perdido no tempo, descontextualizado, separado da vida, mas que diz tudo acerca daquilo que as faz humanas, mulheres, que diz tudo acerca daquilo que as une. Há catarse, mas em nome de quê? A terceira mulher sabe a resposta. Em nome da vida, a única coisa realmente importante. A terceira mulher gostava de dizer isso às outras duas mulheres, gostava que acreditassem, mas a terceira mulher também sabe que o seu luto ainda não terminou. Vive o momento como um segredo e transforma-o em ficção. Para que nenhuma das três mulheres se esqueça do valor que têm, apenas por si. Sozinhas, em catarse, num cenário improvável.

segunda-feira, julho 11, 2005

A banhada

Antes que comece toda a gente a dizer mal da "Guerra dos mundos" - o que já começou ontem à saída do cinema e hoje de manhã - vou falar do filme, sem falar mesmo do filme. Considerações imediatas do visionamento: assustei-me, achei demais, pensei ya ya, aborreci-me e o final desiludiu-me. No entanto, gostei.

Mas isso não interessa nada e não é disso que eu quero falar. Não vou propriamente dar nenhum insight raro sobre o filme, com base nas minhas reacções primárias. Ao contrário de toda a gente que parece ter descoberto a pólvora (ui, é mesmo segunda-feira, peço desculpa), eu sinto-me uma mera espectadora da catástrofe. Pois bem, eis a banhada de que todos vão falar: morrem todos à volta e ao Tom Cruise não acontece nada. Essa abordagem irrita-me solenemente. A personagem Ray Ferrier não é propriamente um herói, não anda à caça de extraterrestres a tentar salvar o mundo - se fosse assim, talvez ninguém chamasse banhada. É um tipo cheio de medo que anda a fugir, a tentar sobreviver no meio da catástrofe. Não vi ninguém dizer que O pianista era uma banhada. Há razões óbvias para isso: era uma história verídica e tinha uma contextualização real - eram nazis e não extraterrestres de quem o protagonista fugia. Tudo bem, mas a essência da história é a mesma: a sobrevivência. Tal como em O pianista, Ray Ferrier é o anti-herói, um sobrevivente, foge para não morrer. É extremamente humano, tem de fazer opções radicais em tempos radicais e, sim, tem sorte, mas a sorte também é um factor.

Essa é a pertinência deste filme, mesmo que seja ideologicamente manipulador. Os espectadores não se deixam manipular pela ficção, mas são facilmente manipuláveis pelo resto. Eu prefiro ceder à ficção. E não vou ver um filme com extraterrestres para depois dizer no final que é uma banhada - é óbvio que é uma banhada. E, quando olho para o filme, penso qual é o meu limite, que condições adversas poderia suportar, sobreviveria?

É óbvio que estamos condicionados, no nosso olhar, pela nossa linguagem, pelos nossos medos, pela forma como olhamos o mundo. A perspectiva de quem foi ver comigo o filme era diferente da minha exactamente por isso, mas não recusava a ficção, pelo contrário.

Há uma permeabilidade ao star system que não nos deixa ver simplesmente a ficção: será sempre o Tom Cruise. Mas, enquanto no Mr. e Mrs. Smith, o filme vivia exactamente disso, só interessava porque era o Brad Pitt e a Angelina Jolie, neste "Guerra dos mundos" já não é assim. Qualquer dia, as estrelas só poderão fazer "Ocean's eleven"'s da vida - e para isso não há pachorra.

SMS e mensagem pessoal

"Extinção do Ballet Gulbenkian. Encontro de cidadania nos jardins da Fundação. 4ªfeira, dia 13 de Julho , pelas 19h30. Passa a mensagem."

No Pública de ontem, vem uma reportagem comovente com a Sandra Rosado e o Romeu Runa, dois dos mais emblemáticos bailarinos da Gulbenkian e duas pessoas incríveis. Uma palavra de força para eles, mais pessoal! Lá estarei.

domingo, julho 10, 2005

É guerra... gasosa

A Coca-Cola regressou ao Iraque depois de 40 anos de ausência. No Público de sábado, na última página, falavam de uma verdadeira "guerra de refrigerantes". Abertas as hostilidades, é tempo de nos perguntarmos se a outra guerra se ganha pelo estômago.

Símbolo do imperialismo norte-americano, a Coca-Cola diz presente no combate aos fundamentalismos. Cá para mim, que nem sequer gosto de Coca-Cola (não é convicção, é mesmo gosto), isto ainda vai ser um passo para a conversão de milhares, se não milhões, de muçulmanos à religião ocidental do consumismo e do desperdício.

Ponham lá McDonald's e aí é que vão ser elas... I'm loving it.

sexta-feira, julho 08, 2005

Uma boa notícia

A lei da nacionalidade vai ser alterada.
Finalmente, as pessoas nascidas em Portugal vão ser consideradas portuguesas. Já não era sem tempo. Portugal é de quem o faz. Vamos fazê-lo bem melhor juntos.

Expressões que definem uma cultura

Isso não está lá muito católico.

Almoçarando* - Como fazer um best-seller?

Tenho um problema com títulos. Eubarratubarramim ou Erropção não são propriamente títulos comerciais. Pois bem, já há algum tempo que, almoçarando (almoçar conversando) , brincamos a este jogo: como criar títulos de livros para vendê-los bem. Partilho agora com vocês algumas das nossas ideias (as maiúsculas devem ser lidas como o título garrafal e as minúsculas como o sub ou ante título que aparece bem pequeno).

- a minha vida durante O TEMPO EM QUE CARLOS CRUZ ESTEVE PRESO

- COMO ME TORNEI PROSTITUTA durante 20 minutos e ninguém me pegou

- CASA PIA? não sei onde fica

- DA VINCI, dá trinti, dá quarenti

- BLOG de que nunca ouviu falar nem nunca visitou mas que graças ao marketing vai passar a ser o seu FAVORITO

- O QUE NUNCA FOI DITO por alguém que não leu O CÓDIGO DA VINCI

- MARGARIDA REBELO PINTO, de Ana Vicente


Já perceberam a ideia, certo? Vende-se pelo título e depois o livro é sobre o que quisermos. Técnicas comerciais que funcionam com uma boa equipa de designers.

Há muitos mais que me estão a escapar. Contribuam porque vamos fazer disto um sucesso. E, BOA AMIGA e amigos do tupperware, escrevam os títulos que me escaparam.


*NOVA RUBRICA NAPERONIANA, que tenho a honra de iniciar, com o contributo dos nossos espirituosos companheiros de almoço. Porque os nossos almoços são sempre motivos de inspiração. Obrigada!

quinta-feira, julho 07, 2005

As nossas paixões não estão cartografadas

“«A vida é má – a vida é detestável», exclamou Rose Shaw.
O que é estranho na vida é que embora a sua natureza deva ter sido aparente para todos ao longo de centenas de anos, ninguém deixou uma explicação adequada. As ruas de Londres têm o seu mapa; mas as nossas paixões não estão cartografadas. Que encontraremos se virarmos esta esquina?
«Holborn sempre a direito», diz o polícia. Ah, mas para onde iremos se, em vez de passar rente ao velho da barba branca com a medalha de prata e o violino barato, o deixarmos contar a sua história que termina com um convite para entrar, presumivelmente no seu quarto junto a Queen’s Square, onde nos mostrará a sua colecção de ovos de aves e uma carta do secretário do Príncipe de Gales e isto (passando por cima das fases intermédias) nos levar num dia de Inverno à costa de Essex, onde o barquinho larga em direcção ao navio e o navio parte e no horizonte vemos os Açores; e os flamingos levantam voo; e nós sentados à beira do pântano a beber punch de rum, exilados da civilização, pois cometemos um crime, estamos infectados com febre amarela e provavelmente – preencham a cena como quiserem.
Tão frequentes como as esquinas de Holborn, são estes abismos na continuidade dos nossos dias. E contudo seguimos em frente.”

WOOLF, Virginia, O quarto de Jacob

quarta-feira, julho 06, 2005

Por que mudam as coisas?

A pergunta saiu assim da boca dele. Por que é que as coisas mudam?

Ele tem 4 anos.
Eu tenho 28.

Nenhum de nós sabe a resposta. Mas ele atreve-se a perguntar.

Ainda sem mágoa, apenas com desejo de saber.

As coisas mudam e a Criança já sabe e pergunta-se porquê.

Se isto não é uma boa razão para as coisas mudarem, não sei o que será.

Sem saltos no ar

Só soube hoje que o Ballet Gulbenkian vai ser extinto. Ainda estou um bocado em choque. É uma notícia muito triste. Representa o fim de uma era, o fim de um grupo sem o qual não consigo conceber o panorama cultural português. Seria como extinguirem a Ponte 25 de Abril.

Para mim, o Ballet Gulbenkian representa a excelência, representa a abertura, o encontro entre público, bailarinos de excepção e coreógrafos de todo o mundo. Na Gulbenkian, a Criança viu pela primeira vez um palco e gente lá em cima. Na Gulbenkian, impressionei-me sempre, se não pelas coreografias, sempre pelo brilhantismo dos seus bailarinos.

Não sei o que vai ser agora. Nem vou acusar a Fundação Calouste Gulbenkian de nada, ou não fosse a instituição que mais tem feito pela cultura, arte e investigação em Portugal. Se decidem extinguir um Ballet com 40 anos, não o fazem de ânimo leve e terão, sem dúvida, um projecto delineado e pensado para a dança. Só posso pensar assim.

Hoje quero apenas expressar a minha tristeza. Fica uma sensação de vazio. Não haverá mais temporadas do Ballet Gulbenkian. Para aqueles bailarinos, que sempre admirei profundamente, fica apenas uma palavra: coragem. E, já agora, outra: obrigada.

terça-feira, julho 05, 2005

Em 90 segundos... ou menos!

Os livros de auto-ajuda devem estar a perder qualidade. Não que eu ache que algum dia tiveram. Mas hoje deparei-me com o seguinte título nas estantes da Bertrand Como fazer com que os outros gostem de si, completado com o sub-título em 90 segundos ou menos, e achei que tinham batido no fundo.

Primeiro: não é suposto os livros de auto-ajuda esmifrarem e sintetizarem os conceitos da psicologia, como a criação da auto-estima, a segurança, a autonomia? Não deveria o livro dizer como fazer para você gostar de si, que se danem os outros se não gostarem, azar o deles? Bom, pensei que sim. Mas afinal não. Os livros de auto-ajuda nem sequer já têm pretensões, a ideia é mesmo "DAMO-VOS O QUE QUEREM E PRECISAM PARA DEIXAREM DE SER ESSA MERDA QUE SÃO AGORA". Em 90 segundos ou menos.

Este livro baseia-se na arte de agradar os outros. Que bom princípio para a solidificação do nosso eu. Ainda pensei que eles prometessem que em 90 segundos punham todo o mundo á volta do leitor a gostar dele, mas não. A ideia é fazer com que as pessoas gostem de nós imediatamente, mal ponham os olhos em nós, ao fim de duas frases... com este livro, ficam logo todos fascinados. Em 90 segundos ou menos.

O pior vai ser quando passarem os 90 segundos e começarem a ver o verdadeiro eu que tanto os fascinou em um minuto e meio. Mas aí haverá outro título: como fazer os outros gostar de si ao fim de algumas horas, não estragando a primeira impressão causada.

segunda-feira, julho 04, 2005

Averiguação (ainda sobre sexo)

“(…) na nossa vida sexual, cometemos amiúde o erro de interiorizar hierarquias e pretensas oposições para restringir a diferença, o leque de possibilidades, e obrigamo-nos a nós próprios a fazer escolhas morais e eróticas antes de termos sido capazes de descobrir o que há para escolher. Isto é, a maior parte de nós aceita como bom o que lhe foi ensinado sobre sexo, em vez de tentar averiguar, por sua conta e risco, se o que lhe disseram se adapta àquilo que é de verdade.”

EXTEBARRÍA, Lucía, Nós, que somos diferentes das outras, Prólogo

domingo, julho 03, 2005

Estimulante... intelectual

Lá fui então ao nosso primeiro Salão Erótico, na FIL. Um verdadeiro festival da pornografia.

O certame assentava fundamentalmente em três vertentes: sex-shops com toda a variedade de acessórios, clubes de strip com shows e produtoras de filmes pornográficos. Nada de muito surpreendente. Tudo muito rude, sem criação de ambientes ou de atmosferas pseudo-eróticas. Indústria do sexo à mostra, como qualquer outra feira que pudéssemos visitar na FIL. O mais fora que vi foi um show, na zona fetish, de sado-masoquismo, ou um show da zona gay, em que uma mulher (?) era convidada para presenciar in loco o strip masculino (a única coisa gay que ali havia era o chapéu de polícia que o striper tinha, enfim). Ou melhor ainda um stand exclusivo do Manuel Vieira (sim, o dos Ena Pá 2000).
Os shows de strip não eram particularmente bons e os mais interessantes (ou cómicos) eram aqueles em que as stripers chamavam um visitante ao palco. Aí era vê-los completamente enrascados, a tentarem aproveitar ao máximo o facto de estarem com a mão na massa.

Aliás, o mais interessante era realmente o público: completamente heterogéneo. Idades diferentes, homens e mulheres, casais jovens e de meia idade, grupos de rebarbados, chungas e classe média, famílias, gays também alguns, grávidas com barrigas bem visíveis, pessoas com bom aspecto de um modo geral. E isso foi algo que me surpreendeu, de facto. O ambiente era leve, não era pesado (bom, tirando um stand em que o nível era mais baixo do que o do Cais do Sodré), até bem humorado. Senti-me bem, sem preconceitos entre pornógrafos, malta da Abraço e casais com a idade dos meus pais. Igualmente impressionante foi ver a sofreguidão das fotos tiradas com o telemóvel, máquinas de todos os géneros e até filmagens caseiras - é ridículo ver alguém tirar fotos a filmes pornográficos... what's the point? Imagino hoje a net.

Por isso, não tendo sido de todo uma experiência excitante, acabou por ser uma verdadeira experiência sociológica. É bom ver assim as pessoas, manuseando vibradores sem timidez, procurando um título pornográfico, assumindo simplesmente a curiosidade. A única coisa de que se deve ter medo é mesmo da ignorância. Bravo, indústria do sexo, parabéns Lisboa!

sábado, julho 02, 2005

Olha pra mim de volta

É um facto: estou de regresso. Mais bronzeada, revigorada, mas de regresso. Lisboa, estou de volta. Naperon, prepara-te para os posts de férias.
Sim, o computador foi comigo e gravadinhas foram algumas reflexões que partilho agora convosco. Seguem-se as ditas. Desta vez, pela ordem cronológica para facilitar a leitura.
Ainda ficava mais uns anitos, vá umas semanas, mas, estando de volta, estou contente por estar aqui convosco. Respirem fundo e mergulhem, que mar assim...

I. A primeira impressão

Chegar a um local conhecido, com memórias construídas, reconstruídas e desconstruídas, é sempre uma tarefa estranha. E, paradoxalmente, familiar.

Eis-me então na Manta Rota, onde passei muitas férias em criança, na adolescência e onde mais tarde voltei com a então minha nova família, uma ideia bem composta de casal, mas muito deficientemente concretizada. No regresso a esta praia, lembro-me obviamente (ou não fosse eu alguém dado a melancolias, ressentimentos e pensamentos compulsivos) dessa deficiência mas também da bela composição da ideia. Lembro-me, pronto.

Lembro-me até de outra ideia de casal, ainda mais mal concretizada. Alguém com quem não construí memórias de Manta Rota, mas que, depois de me ter assaltado a vida, ficou para sempre (?) a assombrar este lugar.

Estes parágrafos iniciais servem de preâmbulo para a descrição da minha primeira impressão. Pois sei bem que esta foi construída com base nestes ou influenciando estes, numa mistura indestrinçável de sensações.

Chegada, encontro-me num limbo social. Já não há pessoas da minha/nossa idade sem serem casais. Com filhos ou sem filhos. Navegamos com um código próprio – sem as referências sociais do costume. As praias estão cheias de famílias jovens, crianças. Tendo uma criança na nossa vida, como eu tenho, e tendo escolhido a liberdade esta semana, a melancolia pode ser muita avistando as outras crianças, os filhos dos outros. Os filhos dos outros que não são nossos filhos, já que o meu filho é filho de outros.

Junte-se à nostalgia da criança – traduzida em que bom seria se eu a tivesse trazido, quando afinal foi minha decisão não a trazer – a melancolia do casal. O casal, essa entidade vaga que me invoca coisas menos boas, é também uma ideia tão bem composta. A satisfação, a intimidade, uma espécie de segurança constante por se pertencer a um casal – algumas linhas que desenham os contornos da melancolia. Mais uma vez sabendo que não é nada disso que se quer agora.

Pois é, o limbo. Já não há outros grupos, como nós, aos quais nos podemos juntar nas férias, na praia. Fazemos parte de outro quadro social. Outra família, felizmente bem composta na concretização, em que já não há paralelismos para traçar no areal.

É bom ou mau? Sacudo a nostalgia como areia, essa é que é a verdade. Conheço-me melhor agora e, ao segundo dia de praia, sei bem que estou no sítio certo agora, mesmo que este seja de transição ou de passagem. Na praia da Manta Rota, há jovens famílias, casais mais velhos, grupos de adolescentes e, depois, há-nos a nós – quadro bem composto.


Algarve, 26 de Junho de 2005

II. Do espírito à prática – a verdadeira desportista que há em mim

Já várias vezes tive de dizer às pessoas que sou uma verdadeira desportista. Normalmente, as pessoas olham-me de lado e não acreditam, já para não falar de quando se riem descaradamente na minha cara. Não sei se é do meu ar intelectual ou do meu jeito roliço, mas a reacção é sempre de grande incredulidade. Pois bem, não sou uma grande desportista no sentido prático, mas tenho um verdadeiro espírito de desportista. Em que sentido? Gostava de ser desportista, apetece-me fazer flaks (?) no meio da rua e intimamente gostava de acordar um dia a fazer kung-fu como a Beatrix Kiddo no Kill Bill. Correr, nadar, mergulhar, saltar são coisas que gosto de fazer. E pontapés no ar são a minha verdadeira especialidade.

Tenho-me acomodado à ideia que as pessoas têm de mim. A ideia de que sou uma intelectual pouco dada ao físico, à praia, ao disparate. Já comecei noutros campos a recusar esse rótulo e não tenho problemas em assumir algumas das minhas preferências musicais ou a minha vertente fã da Angelina Jolie ou de comédias românticas de Hollywwod. Chegou o tempo de recusar o rótulo de que não sou desportista! Sou uma verdadeira desportista! E, se não acreditam, passo aos factos.

Nestas férias, tenho-me dedicado à prática desportiva e, para grande surpresa de todos à minha volta (até minha, devo confessar), tenho-me revelado uma exímia praticante de actividades desportistas de praia. Eu é raquetes – e que estilo, senhores –, eu é correr até Altura (uns bons 5 quilómetros), eu é nadar mar adentro (em todos os estilos, excepto mariposa, e croll sem estilo nenhum).

Até descobri os nomes dos músculos, porque é sempre melhor sabermos o nome daquilo que nos dói.

Lisboa, é bom que estejas preparada: nasceu mais uma miúda do jogging.

Algarve, 28 de Junho de 2005

III. Roteiro gastronómico

A par da minha veia desportista que despertou nestas férias, veio com ela o seu lado negro. Não estou a falar das dores de músculos, porque essas até servem para nos estimular e encher o ego. Falo, sim, do apetite que vem a par da actividade física.

Talvez a culpa não seja só da actividade física. Talvez seja do sol, da praia, da atraente cozinha algarvia ou dos deliciosos pratos cozinhados aqui em casa. Talvez seja por que a única coisa que apetece fazer é mongar, seja fazendo desporto, escrevendo no computador, lendo, jogando xadrez, snooker ou matraquilhos. Seja bebendo café, uma imperial ou tomando um duche ao fim da tarde, apetece simplesmente mongar. E mongar neste caso não é não fazer nada, mas fazer tudo com uma sensação de tempo estendido (mesmo que seja rápido, como os duches, ou lento, como o xadrez). Em férias, as coisas têm outro tempo, um tempo demorado, que queremos arrastar até mais não. A urgência resume-se à vontade de fazer chichi, garanto-vos. Assim também é à mesa. Há tanto por onde escolher e muita vontade de demorar.

Que me perdoe a minha boa amiga Sandera, que sempre se irrita quando lhe decido dizer o que vou escolher para o almoço, mas enumero-vos algumas das preciosidades com que me tenho deparado. Vamos falar de comida.

Comecemos pelo pão. Haverá melhor pão que este? Alentejano ou algarvio, a verdade é que o pão desta zona foi feito por quem reconhece a sua verdadeira necessidade. Em Lisboa, nunca como pão. E quando digo nunca, é mesmo nunca (vá, uma vez por semana). O pão é obrigatório em todas as refeições. Seja da molhenga*, seja da fome que o desporto desperta e lá vai com manteiguinha antes de vir o comer*, seja do simples deleite de comê-lo seco, simplesmente porque é bom. No fundo, aqui, o pão é como o mar: há que aproveitá-lo, pois não encontraremos igual em mais lado nenhum. Pois tenho comido pão, para grande satisfação da glândula fanática dos hidratos de carbono que há em mim.

O Costa. Situado em Cacela Velha, o Costa é simplesmente um dos melhores restaurantes do mundo. Mal chegámos, toca de ir ao Costa. E para começar, toma lá um arroz de lingueirão (especialidade) e, pronto, uma cataplana de amêijoas (idem), que por acaso além das amêijoas tem também carnunga* e uma inacreditável molhenga* de tomate e pimentos. Oh Deus! E isso foi só no primeiro dia, porque voltámos lá hoje e ala de comer umas ameijoazinhas de entrada, seguidas por um sargo gigantesco decorado com coentros, alho e azeite. Como se não bastasse, desta vez, ‘bora lá experimentar as sobremesas, que isto de vir ao Algarve e não comer um docinho* não dá com nada. Pois bem, divididas por quatro lá vieram três sobremesas: tarte de alfarroba, tarte de figo e morgado de figo. Os doces do Algarve são consistentes, compactos e deliciosos. O Costa é, sem dúvida, um dos melhores restaurantes do mundo, responsável pelas mais completas sensações de enfartamento.

O petisco em geral. O peixe extraordinário. Os gelados feitos de forma tradicional. A fruta, pois aqui experimentei os primeiros figos de Verão e o verdadeiro pêssego de roer, amarelinho da minha predilecção. A imperial fresquinha. Tudo parece ser tentação fatal e não há como não se sentir assediado e dizer sim, sim, cedo com angústia ao prazer. Enfim, a culpa não é de nada disso, a culpa é da vontade, já dizia o Variações, e essa é que é essa. Até cadelinhas comprámos a um caçador/pescador/vendedor de praia. Até bacon com ovos comemos ao pequeno-almoço – saltei o pãozinho, pois há limites para a gula.

Numa palavra, mais uns dias no Algarve e a última frase que escrevi talvez perdesse o sentido, sabe Deus o que me poderia acontecer. Quase de regresso, sinto algum conforto no meu parco frigorífico e uma nostalgia irreprimível pelo abandono desta insuperável matéria-prima e sua extraordinária condimentação.

Algarve, 29 de Junho de 2005

*gíria aplicável em situações em que se fala de comida de forma gulosa.

IV. Os postais no Algarve

Andei à procura de postais. Pronto, só estou no Algarve e nem uma semana completa vou estar fora, mas há coisas que temos de fazer, mesmo sabendo de antemão que provavelmente o resultado não será o melhor.

Nada do que pudesse temer se revelou tão mau como aquilo que encontrei. Os habituais pores-de-sol, patchwork's de fotografias de praias, fotos de esplanadas e aldeamentos, enfim, o habitual em qualquer ponto turístico português (por favor, se estiver errada, corrijam-me e digam-me que eu quero saber). Mas nada, nada me preparou para os postais de burros.

Ai, os postais de burros... Há uma série deles, mas todos versam sobre o mesmo: gajas a fazer topless. Imaginem (pois a imagem ainda não invadiu o nosso blog): um burrito com uma senhora vestida com trajes típicos sentada em cima à beira de uma praia paradisíaca do Algarve. Até aqui, menos mal, pensam vocês. Mas não, a coisa não acaba aqui. O sô burro estava a pensar (como indica o balão que sai da sua cabecita). E pensa o quê? Lá está: numa gaja a fazer topless. Tudo isto em fotografia, é claro.

Esta é a base, mas depois há variações sobre o tema. O melhor, se assim se pode dizer, é um com dois burritos conversando em que um diz para o outro, sob forma de imagem, e se montássemos uma gaja a fazer topless. A imagem é mesmo essa: um burro em cima de uma gaja a fazer topless. Mas como isto não basta, e para bom turista é necessário dar um toque típico da região, a moça vestida com o traje típico diz (sai do balão): don't listen to him! Ah pois, que isto de burros em cima de gajas a fazer topless tem de ser contrabalançado por um toque de moralidade típica. Oh so typical, poderíamos imaginar um turista inglês de meia idade a dizer, enquanto se afastava suando.

Um amigo meu foi a Sevilha e trouxe uns bons 50 postais giros. Como será possível eles conseguirem em Espanha? E, depois, admiram-se que o turismo em Portugal não evolua. Olhem para os postais! E para quê gajas a fazerem topless? Não poderiam estar todas nuas?

Algarve, 30 de Junho de 2005