A crescer, as crianças têm tendência a mostrar umas às outras o que sabem e o que não sabem fazer. Dizem, os mais velhos para os mais novos,
tu não sabes fazer isto, enquanto os mais novos fazem tudo para conseguirem e finalmente provarem que também conseguem fazer, mesmo que não tenham interesse em fazê-lo.
Crescemos, mas continuamos a querer provar alguma coisa. Na adolescência, aos nossos pais e aos mais velhos, que
insistem em não nos dar o crédito ou a confiança que já achamos que merecemos.
Em adultos, a coisa não varia muito.
Detentores de alguma independência e autonomia, a questão da afirmação poderia passar-nos ao lado. Mas estamos já viciados. Existe, por um lado, a condescendência/desconsideração pela opinião alheia que sentimos como ameaça e, ao mesmo tempo, a afirmação perante essa desconsideração alheia.
No profissional, muitas vezes queremos provar que somos competentes, como se o clima de desconfiança e tensão permanentes nos obrigassem a um constante - e inútil - prestar de contas. Não serve para nada, pois é através desse clima que se prendem os trabalhadores, sejam competentes ou não. Não adianta rejubilar por uma promoção, pois logo em seguida virá o aviso; não há satisfação no elogio, pois será mencionado mais tarde como um insulto. É uma generalização, mas dessa suspeição se instala o medo, a dúvida e, claro está, a necessidade de afirmação para podermos enfim sentir-nos tranquilos - estado a que só chegaremos quando nos estivermos a borrifar.
É tudo uma questão de
poder, pois bem. O superior assedia o subalterno,
and so on and so on até o limite do ridículo.
Nas relações sociais e pessoais, a coisa passa-se mais ou menos da mesma maneira. A senhora da repartição acusa o
jovem de desleixo. As acusações, seja qual for o caso, sucedem-se para assegurar uma posição:
conformismo do outro,
arrogância da que está mais à frente,
estagnação do sujeito lá de trás,
falta de visão do do lado...
As opiniões diferentes, por exemplo, são desvalorizadas por razões alheias à própria opinião. Do género:
estás a ser influenciada pelas pessoas erradas,
se tivesses visto o que eu vi, não dizias isso,
um dia vais pensar como eu. A mim, já me disseram dessas frases, mas também já fui bode expiatório daqueles que não querem dar crédito às opiniões, aos pontos de vista, numa palavra às vidas dos outros. Do género,
tu não podes pensar assim por que eu não quero, portanto deve ter sido a Ana Vicente a dizer-te isso. Ou, como disse antes, eu é que sou a
influenciável. Influenciadora ou influenciável, depende do ponto de vista, logo do poder que me é atribuído e aos que
me influenciam ou
sofrem da minha influência.
Apetece dizer:
é preciso mostrar o BI? A renda da casa? As contas que pago? Os prémios? As relações? Os textos? As notas?
É preciso mostrar que sou?
Não vale a pena dizer nada. É tudo uma questão de poder, mais uma vez. E o poder é algo que só cada um de nós pode dar ao outro. Ninguém nos tira do nosso lugar se não quisermos - sem paranóias, apenas com confiança. Se começarmos a olhar para os outros mais como pessoas e menos como ameaças, talvez as suas opiniões, posições, méritos, defeitos, sejam valorizados e também relativizados. Porque não há nada de absoluto quando se fala da espécie humana - há apenas
relação a.
Quando não nos dão crédito aparente, o mais provável é que nos estejam a dar a mais. Provavelmente até nos estão a ver como uma ameaça, quando de facto só queremos ser e viver.
É tempo de quebrar o vício.