naperon

Duas boas amigas juntam-se para desarrumar os bibelots.

sexta-feira, setembro 30, 2005

Para uma prática correcta do silêncio, peço esclarecimentos

Se sabes (sabes mesmo) que aquilo que tens para dizer a alguém não tem espaço na vida dessa pessoa, para quê dizê-lo?

Calma! (agora é que é)

Dantes

Dantes o tempo corria lento meu
Dantes, matava-se o tempo meu
Fumava-se um cigarro
Matava-se o tempo
Bebia-se um copo
Matava-se o tempo
Segurava as paredes
Matava-se o tempo
Poliam-se as calçadas
Matava-se...
Dantes o tempo corria lento meu
Dantes, matava-se o tempo meu
Mas tudo isso passou
Mas tudo isso passou
Foi o tempo que me matou!
Dantes
Dantes

Dantes o tempo corria lento meu
Dantes matava-se o tempo meu
Fazia-se um belo curso
Dentro do tempo
Fazia-se um namoro
Tudo a seu tempo
Arranjava-se casa
Ao mesmo tempo
Fazia-se uma vida
Dentro do tempo
Dantes o tempo corria lento meu
Dantes matava-se o tempo meu
Mas tudo isso passou
Mas tudo isso passou
Foi o tempo que me matou!


Original dos Xutos & Pontapés, mas a versão dos Cool Hipnoise é que é!

quinta-feira, setembro 29, 2005

A nova lâmpada de Aladino

Clicar no refresh e esperar o improvável.

Pode parecer estúpido

mas quando perco dinheiro, penso logo que vou fazer alguém feliz.

quarta-feira, setembro 28, 2005

Em jeito de homenagem

Havia um tempo em que éramos miúdos, éramos todos muito miúdos e pensávamos que seria sempre assim. Que aquelas pessoas estariam sempre connosco, perto de nós, quase invisíveis. Agora, já não somos tão miúdos assim. E sabemos, porque já fomos colhidos no nosso núcleo algumas vezes, que as pessoas não ficam sempre connosco.

Ontem à noite, soubémos mais uma vez. E lembrei-me então do bairro da Ajuda, do papagaio, da Praia Verde, das touradas no segundo canal, das histórias da Mobil, das suecas em que eles, os nossos avós, batiam com a mão na mesa com a certeza da vitória, lembrei-me do Natal. Lembrei-me de um carro, que me aparece cor de ferrugem na memória, mas como hei-de ter a certeza? Seria um datsun? Lembrei-me de nós todos juntos, pequenos a acreditar que eles sempre estariam connosco.

Lembrei-me de como eles já foram jovens e que nós sempre os achámos "velhos". Pensei no amor que se constrói durante uma vida e que se perpetua nos filhos, nos netos e nos bisnetos.

Hoje sei que, na minha família, há alguém que perde pela primeira vez um pai. Que há crianças que experimentarão pela primeira vez a ausência. E, nessa dor, há um pouco de nós que também morre. Hoje queria apenas deixar uma palavra de alento para aqueles miúdos, que nós fomos, para estes adultos que somos agora e para os que sempre me acompanharam e que amo.

É apenas isso, um grande abraço.

terça-feira, setembro 27, 2005

Aviso!

Tenho tendência para o show off, para o exagero e, às vezes, puxa-me o pézinho para o drama.
Não consigo evitar e devo confessar que me alimenta um bocado a imaginação.

Tanto posso pôr o meu chapéu de cowboy e fazer a coreografia da Madonna, cantar o "Sexed up" do Robbie Williams no karaoke como se estivesse perante milhões de fãs, pôr mousse na cabeça só para impressionar alguém e também me dá para me lamentar exageradamente, pôr-me de joelhos irreflectidamente por puro deboche, prometer amor eterno, fazer de todas as canções a história da minha vida. Amar desmedidamente e odiar desmesuradamente. Faltar-me o ar, bater-me o coração freneticamente. Tenho um problema de limites e gosto de advérbios de modo.

Achei que tinha a obrigação de vos avisar.

(este post foi inspirado por ele)

A música, sempre a música

Sábado, 1 de Outubro, é Dia Mundial da Música.
Ouvi ontem na rádio. E que feliz fiquei ao saber duas coisas e ao ouvir duas canções.

Ouvi primeiro o "Capitão Romance", original dos Ornatos Violeta, numa versão (brilhantemente) arrastada da Margarida Pinto (boa amiga, atenção!). Esta canção está incluída num CD que será distribuído gratuitamente no Sábado com o jornal Público. Pela amostra, vale a pena, ui, se vale.

Depois, ouvi a notícia mais comovente e extraordinária: dia 3, segunda-feira portanto, vai sair um CD duplo dos Clã ao vivo. Senhores, alguém ouviu as minhas preces. Ontem ouvi a canção em que o Adolfo Luxúria Canibal faz dueto com a Maneeeeeela e, mesmo não sendo grande fã dos dotes do senhor, rejubilei. Foi em Dezembro de 2000, na aula magna, que ele cantou com ela, no meu segundo concerto dos Clã. Grandes memórias terá esse cd (parece que também vem um dvd pelo caminho).

É tao simples fazer-me feliz, enebriada, histérica, melancólica, divertida, dançante, inconsequente. Basta porem a música certa.

segunda-feira, setembro 26, 2005

Expressões que definem uma cultura VIII

Vai chatear o Camões.

domingo, setembro 25, 2005

Tese, antítese e síntese de um Amor de Verão

Se tivesse tido um amor de Verão teria um beijo apaixonado para recordar hoje. Teria sido levada pela sua energia, elevada até ao céu, sem medo da queda. Se tivesse tido um amor de Verão teria feito das adversidades as minhas oportunidades. Hoje acreditaria que era só uma questão de tempo. Se tivesse tido um amor de Verão teria roubado cada hora nova que nos chegasse às mão. Estaria perdida, mas saberia o que esperar. Seria inconsequente para abraçar todas as consequências com alegria. Se tivesse tido um amor de Verão não me importaria com o fim do Verão. O Outono seria mais quente, mesmo numa cama vazia. Se tivesse tido um amor de Verão haveria um ar fresco para respirar. Estaria em pause, mas atenta ao que me fosse oferecido. Não teria escapado, estaria presa. Se tivesse tido um amor de Verão haveria um sorriso incontrolável que ninguém conseguiria evitar. Não haveria resistência ao sentir. Não haveria resistir. Não haveria tentação. Haveria Amor de Verão.

No entanto, se não tivesse havido um Amor de Verão não estaria a escrever este post. Não teria este vazio. Não estaria a ouvir estas canções em loop. Não vibraria de cada vez que o telemóvel vibra. Não me arrepiaria com a ideia de uma voz. Se não tivesse havido um Amor de Verão, não teria reparado só hoje que o Verão acabou. Estaria apenas chateada por vir trabalhar. Não teria tirado intencionalmente um determinado papel do bolso. Os gatos ainda estariam lá. Se não tivesse havido um Amor de Verão, não encontraria um sentido em tantas coincidências. Não andaria à caça de metáforas. Não estaria suspensa, pendurada, com a antecipação de um beijo apaixonado para recordar.

Não houve Amor de Verão.
Se tivesse tido um amor de Verão hoje estaria destroçada e não me sentiria assim, livre.

Além disso, o meu Amor nasce sempre no fim do Verão mas mantém-se forte até ao Inverno.

Sedentarismo

Quando é dia da meia-maratona e o Parque das Nações está cheio de desportistas, jovens, crianças, velhotes aos saltos, quando é dia do desporto ou assim parece em Lisboa e tens de vir trabalhar, é natural que tenhas de fazer algum esforço físico para arranjar um lugar para estacionar.

sexta-feira, setembro 23, 2005

Aos gatos que vagueiam no meu pátio (e me adoptaram)

História de uma gata

Me alimentaram
Me acariciaram
Me aliciaram
Me acostumaram

O meu mundo era o apartamento
Detefon, almofada e trato
Todo dia filé-mignon
Ou mesmo um bom filé... de gato
Me diziam todo momento
Fique em casa, não tome vento
Mas é duro ficar na sua
Quando à luz da lua
Tantos gatos pela rua
Toda a noite vão cantando assim

Nós, gatos, já nascemos pobres
Porém, já nascemos livres
Senhor, senhora, senhorio
Felino, não reconhecerás

De manhã eu voltei pra casa
Fui barrada na portaria
Sem filé e sem almofada
Por causa da cantoria
Mas agora o meu dia-a-dia
É no meio da gataria
Pela rua virando lata
Eu sou mais eu, mais gata
Numa louca serenata
Que de noite sai cantando assim

Nós, gatos, já nascemos pobres
Porém, já nascemos livres
Senhor, senhora, senhorio
Felino, não reconhecerás


Ouvida cantada pela Vanessa da Mata

quinta-feira, setembro 22, 2005

Sinal de maturidade? III

Já consigo tomar decisões, fazer perguntas, sem ter medo de um não. Continuo a preferir o sim, é certo.

quarta-feira, setembro 21, 2005

O Eduardo e o Daniel

Esta noite, jantámos em família. Belo churrasco, bom vinho, uma Criança deliciosa, um casal que é um primor, até restos houve para os gatos vadios que nos adoptaram.
Após o jantar e depois da Criança ter dado aos gatos o nome de dois primos, a Criança foi para o pátio sondar os vizinhos.

Temos uma família africana a viver ao nosso lado, com dois miúdos pequenos e kuduro durante o fim-de-semana todo e, às vezes, à noite em momentos inusitados. Hoje a Criança finalmente falou com eles. Toca de começar a palrar, como é que te chamas, que idade tens, etc. etc. Grande animação. Nós, os adultos, lá nos pusémos a arrumar a cozinha, que é coisa de gente séria que não se mete com os vizinhos. Passado uns instantes, lá chega a Criança a correr e mais alguém corre atrás dela. Quem? Ah pois, o Eduardo, o mais velho dos dois irmãos que saltou a cerca sem problemas aparentes.
Digo-lhe olá e eles correm para o quarto da Criança, que por acaso também é, numa parte, meu e mostra lá os teus brinquedos e olha este e aqui estão os bonecos. Nós, atónitos, sorrindo perante tal esplendor. Lá nos lembramos do mais pequeno, o Daniel. Então, o teu irmão? Não quer vir? Fomos ao pátio e lá estava o pequenote a espreitar, mas sem conseguir passar a cerca de dois metros. Queres vir? Não consegues? Ó JP, chega aqui para puxar o miúdo. Já está o miúdo deste lado quando nos lembramos da mãe. Avisaram a vossa mãe? Oh, responde o Eduardo, pelos vistos achando impertinente a minha observação. Lá aparece a senhora e eu rio-me e digo, entre frinchas, eles já vão, é só um bocadinho. E correm eles pela casa sem parar, carros para um lado, bonecos para o outro, gritaria q.b., televisão a ser ligada, eu a rir-me e a minha prima a lavar louça e o JP a prever uma noite agitada para nós, antes de sair para ir trabalhar.

15 minutos nisto e nós realmente deslumbradas. Eu estava maravilhada com tanta animação, com tanta confiança e dádiva, com tanta capacidade para "invadir" assim a casa dos outros, com tanta disponibilidade para convidar à entrada, anda cá ver os meus brinquedos. Se nos fosse tão fácil fazer amigos, diz a minha prima. Ah pois.

Passado o tempo legal - que amanhã é dia de escola e a Criança tem de dormir - lá lhes disse, olhem, Eduardo e Daniel, está na hora e lá iam eles a correr de imediato para o pátio. Não, eu levo-vos pela frente. E lá fomos os quatro, porque a Criança fez, e muito bem, questão de acompanhá-los, saindo à rua para voltar a entrar no prédio ao lado, dizer boa noite, cumprimentar a vizinha e prometer novas aventuras. Voltámos e ainda se despediram no pátio, desejando para breve novo encontro.

O Eduardo e o Daniel são os meus vizinhos e agora são amigos da Criança. Bons amigos, daqueles que se fazem num instante.

Se a vida fosse mais simples...

... seria exactamente (ou pelo menos como me recordo) como disse o Cesariny, em resposta à pergunta "para que é que serve a vida?", para amar, para foder, que é muito agradável, e para morrer.

Não sei se chega, mas hoje bastava-me que fosse assim tão simples.

terça-feira, setembro 20, 2005

Ida e volta ou só ida?

Parece que o homem vai regressar à Lua "já" em 2018.
Lamento informar a NASA que eu estou lá há mais de uma semana e ninguém deu por nada.

Quando a vida imita a arte

Não sei se é da minha cabeça, não sei se é a vida a rir-se de mim, mas ando com a sensação de que tudo aquilo que escrevi nos últimos tempos não foi mais que a preparação para aquilo que estou a viver neste momento.

Mas a arte fica aquém, fica sempre aquém.

Elogio da Pretensão

A Teia

Tenho maneira de te convencer
Tenho modo e jeito para te prender
Tenho maneira de te convencer
Tenho modo e jeito para te prender

Vais perder a confiança
Vais perder a segurança
Que tu tens em ti
Olha bem para mim
Não podes fugir
Não podes fugir
Não vais conseguir
Não vais resistir
Começa a sorrir
Tu estás dentro da minha teia
De onde não podes fugir, não
De onde não podes fugir, não


António Variações
interpretação Humanos (maneeela)

segunda-feira, setembro 19, 2005

Expressões que definem uma cultura VII

Riu-se que nem um perdido.

domingo, setembro 18, 2005

Capitão Romance

Não ouvi. Não ouço há meses. Mas, que diabo, não me sai da cabeça o refrão desta música.

sábado, setembro 17, 2005

A moral da história

Ontem à noite, depois de três semanas longas de ausência, contei à Criança uma história que não conhecia. A julgar por aquilo que o Expresso vendeu à avó da Criança, é uma fábula de La Fontaine e chama-se "O pescador e o peixinho".

É a história de um pescador que queria pescar um grande e gordo peixe, mas que todos os dias pescava apenas pequenos peixes (amiga do ambiente, a história, não?). Um dia, um peixinho mais esperto disse-lhe para voltar a lançá-lo à água e, assim, ele cresceria, tornando-se um grande e gordo peixe, que o pescador poderia mais tarde pescar. Para grande surpresa minha, o pescador "não vai em cantigas" e prefere ficar com o certo em vez do incerto. Acaba mesmo assim:
"Apesar de ter encontrado
um peixinho bem esperto,
o pescador não quis trocar
o certo pelo incerto...
"

Continuei incrédula a olhar para aquele final, sem acreditar que nada mais houvesse a seguir, a não ser aquilo, um peixe esperto que tenta sobreviver mas que, uma vez que o pescador "achou que não se devia guiar pela ambição", volta para o cesto dos peixes, "que eram pequenos e que já estavam certos". "Em vez de arriscar e acabar por ficar sem nada", o pescador investiu no seguro. Bom... fiquei atrapalhada com o final, mas de seguida descansei-me: havia uma página com a moral da história, assim mesmo moral da história dois pontos. Lia-a para mim, para ver se percebia o raio da história. O início foi elucidativo: "Há quem se deixe convencer com belas promessas, perdendo o que tem como certo no tempo presente." E a moral continuava com lugares comuns do mais vale um pássaro na mão... ou há crianças que "não deixam que alguém lhes faça o ninho atrás da orelha". Respirei fundo, fechei o livro e mantive-me caladinha a tentar racionalizar o que me pareceu uma mensagem completamente estúpida e pequenina.

A pedagogia não é uma coisa fácil. Aqui estou eu agora, com o livro na mão, a pensar. De facto, uma pessoa precisa manter os pés na terra, acreditar naquilo que conquista, defender o seu espaço e não cair em vãs ilusões. Mas também precisa acreditar em sonhos, ser audaz, arriscar. Fico com uma sensação de conformismo. De facto, é isso que a história nos diz, conforma-te com o que tens. Faz-me lembrar a casa portuguesa com pão e vinho sobre a mesa, pobre mas honrada. E a humildade só nos faz é bem.

Toda a socialização é feita no sentido do conformismo, da aceitação das regras. Mas, da mesma forma que não quero que haja um crescimento baseado no lugar comum "quem não arrisca, não petisca", também não quero que a Criança cresça desconfiada, com medo de perder o que tem bem seguro. Fiquei confusa com a moral da história, tão bem explicada, tão pouco idealizada, tão pouco feliz, com o pobre do pescador com o seu cesto cheio de pequenos peixes para vender a um preço pequenino também. A história termina assim, mas que acontecerá ao pobre pescador? E a inteligência do peixinho não é recompensada na história porquê?

Ou eu começo a aceitar a vida como ela é ou acho que este livro vai desaparecer...

sexta-feira, setembro 16, 2005

Aposto...

que consigo mudar de vida sozinha.

(esta semana não jogo no Euromilhões)

Árvore geneológica ou o meu lado George Constanza

Quando alguém de quem gostamos muito se predispõe pela primeira vez a falar da sua família, tendo a atenção e a disponibilidade de fazer um apanhado rigoroso de nomes e idades, deveria haver uma convenção social que assegurasse o direito de quem ouve a puxar de um papel e escrever uma cábula com o mesmo rigor.

É impossível fixar e não há nada que dê um ar mais desleixado/distraído do que perguntar 2,3,4 vezes a mesma coisa. Ah, mas a prima Leopoldina é a irmã do Gervázio, que é aquele que levou um sopapo do Sidónio, que é tio da... Ao princípio, haverá um sorriso do género compreensivo, mas depois das primeiras vezes esse será substituído por um esgar de desdém. Mais para a frente da relação, seja ela de que nível for, provavelmente será feita a acusação Tu? Tu és um egocêntrico imbecil, não ouves ninguém, nem vês ninguém. Nunca soubeste um nome sequer dos meus familiares, mesmo eu tendo contado todas as suas desventuras.

Com uma pequena cábula, tudo seria mais simples. Dava uma oportunidade à pessoa de estudá-la um pouco e fixar todos os nomes, idades, até, quem sabe?, lembrar pormenores que, entretanto, o protagonista se tinha esquecido. É porque é sempre um teste. E não se deve brincar com a família dos outros, só com a nossa. Até mesmo, dentro dessa ordem social em que as cábulas são permitidas e até estimuladas, haveria um momento em que o protagonista faria um gesto compreensivo, a meio da história, permitindo ao ouvinte puxar da cábula para perceber efectivamente o que se está a passar. É muito triste assistir a conversas em que se vê claramente que o que o ouvinte está a pensar é Mas que raio de pessoas são estas de que ele está a falar?, tudo disfarçado com um acenar afirmativo de cabeça, que pretende dissimular o desnorte.

É por isso que peço a compreensão de todos, apelando ainda a que me enviem por email ou carta as vossas árvores geneológicas. É que vocês nunca conheceram outra, mas eu às vezes distraio-me com outras coisas...

quinta-feira, setembro 15, 2005

O lado anónimo do mundo

A propósito do espectáculo que fui ver ontem, pus-me a reflectir sobre a minha relação com a terra, com a pátria, com a casa.

"Boarding pass" é um espectáculo que fala sobre a necessidade de partir, sobre o sentimento apátrida de não se pertencer a lado nenhum, muito menos ao sítio onde vivemos, onde fazemos as nossas compras, a vidinha, os amigos, o amante e a amante, as crianças. Independentemente da qualidade do espectáculo, estou nos antípodas desse imaginário. Há um momento em que se diz, citando Blaise Cendrars, que "quando amas, tens de partir", enumerando-se tudo o que deves deixar, mulher, filho, amigo, até o aconchego entre dois seios.

"O mundo inteiro continua presente", continua o texto. Um mundo em que aparentemente o que conta é a própria forma do mundo, com toda a sua riqueza. Um mundo onde não interessa onde se vive ou com quem se vive, mas o que se vive e, mesmo isso, apenas com um valor relativo a essa necessidade de não estar preso. Estou nos antípodas, porque o meu mundo é o contrário disso tudo. O meu mundo é específico, local, baseado em relações particulares. Crio o meu mundo com os laços que faço, defino-me também um pouco por eles. Que sentido faz o mundo sem esse sentimento de pertença a uma ordem só nossa?

Saímos do 3ºandar do Chiado e passámos pelo Hotel novo que há no Camões. Espreitámos lá para dentro, observando as esculturas do... (ó manso, ajuda-me). O porteiro convidou-nos a entrar e lá ficámos a conversar com o rapaz, novíssimo, muito disponível a dar-nos conversa, a convidar-nos para irmos visitar o terraço. Lá continuámos o caminho até à Bica e, ao pé da minha antiga escola do ciclo, cruzámo-nos com umas senhoras num carro que estava parado numa subida. A condutora, com um ar de desespero, pediu-nos para pormos o carro dela a andar, porque ela nem para trás nem para a frente conseguia. Lá foi o meu irmão e de lá tirou o veículo. Descemos para o Bicaense e bebemos as nossas águas e seguimos para casa. Esta é a minha definição de mundo. Com nomes de ruas e pessoas que se cruzam de verdade connosco. Com histórias cujo sentido se marcam pela hora e pelo dia e pelo local e por quem estava comigo. E laços criados com irmãos, amantes, filhos, amigos. Em Lisboa, quarta-feira, 23h15, com o Gustavo e com o Manso, só assim fez sentido. Porque eu não tiraria dali o carro nem provavelmente teria olhado para as esculturas e muito menos teria ido ao bicaense a um dia de semana.

Por isso, quando amo, não parto. Fico. Fico bem melhor onde estou.

Smoke free

Hoje definitivamente não é um bom dia para começar a política de "É proibido fumar" no edifício onde trabalho. Mas, ironicamente, começou.

O que é que vão fazer? Prender-me por fumar?

quarta-feira, setembro 14, 2005

Se ao menos...*

... a minha boa amiga Sandera estivesse aqui.

*título roubado à rubrica da Sandera, bem haja.

Elogio do Ultimato

Pensa Bem
Brilhante disputa entre Margarida Pinto e Pacman, no cd Apontamento*.

Ele
Yo yo

Ela
Pensa bem como vai ser
Este é o último aviso
Que eu te vou fazer
Podes escolher
És livre, mas
Deixas o caminho aberto
Para a dor entrar

Pensa bem como vai ser
Este é o último aviso
Que eu te vou fazer
Podes escolher
És livre, mas
Deixas o caminho aberto
Para a dor entrar


Ele
Fica esperta. Eu sei que tu sabes que eu sei que tu sabes bem que falo a sério quando digo que não dá para ir mais além. Já tentámos o que havia para tentar até à exaustão. Juntei toda a minha dor muito para lá de qualquer razão.
Dá-me um minuto, amor, vou arrumar as minhas cenas. Fazer a minha mala com muita calma. Pôr-me a milhas dos nossos problemas. Falta-me o ar, não consigo respirar, isto está-me a matar. A pouco e pouco. Há tempo demais, tempo demais para inventar mais uma história.


Ela
Pensa bem.

Ele
Já pensei. Falta-me um argumento para um final feliz. Tudo o que eu sempre quis era construir de raiz um amor que te obrigasse a pedir de joelhos para sempre, diz. E não foi suficiente para mim, cada vez se torna mais claro. O teu problema reside numa morada onde eu já não páro.

Ela
Só eu sei.
Só eu sei.


Ele
Não foi suficiente para mim, cada vez se torna mais claro. Não foi suficiente para mim, cada vez se torna mais claro. Fica esperta.

Ela
Pensa bem como vai ser
Este é o último aviso
Que eu te vou fazer
Podes escolher
És livre, mas
Deixas o caminho aberto
Para a dor entrar

Tens uma história amor. Pensas que trazes um cheiro que é meu (?). Sabes que eu sei, tu sabes que eu sei. Tu sabes bem por onde andaste e com quem.
Já pensei. Faltam-me argumentos para um final feliz. Tudo o que eu sempre quis foi ter-te sempre aqui.

Falta-te o ar
Tu faltas-me a mim

Só eu sei tudo o que te dei, o quanto mudei, o que deixei por ti amor. A pouco e pouco, há tempo demais para, para inventar um motivo mais para, para tu ficares. Mas, se não dá mais,
Fica bem
Pensa bem

Pensa bem como vai ser
Este é o último aviso
Que eu te vou fazer
Podes escolher
És livre, mas
Deixas o caminho aberto
Para a dor entrar




* Fui autorizada a usar esta letra pela a minha boa amiga fanzaça do cd e da Margarida Pinto. Continua a ser, e será sempre, aqui no naperon a detentora exclusiva dos direitos de Fã nº1. A letra foi transcrita por ouvido. Tomei a liberdade de dar-lhe a minha forma literária.

A minha vida tem Banda Sonora

Não ouço música na cabeça. Mas ouço música pelo corpo. Estou sempre a ouvir música e, quando isso não acontece, canto, cantarolo, murmuro-a...

O rádio no carro é indispensável à minha sobrevivência. Mas estou atenta a outros sons.

Ontem à noite, ouvi os grilos de Alcochete e senti-me de novo em férias. E, de novo o rádio, porque na ponte não há grilos, há inteligência superior de engenheiro. 22H-24H, Radar 20 anos, 97.8, "músicas que marcaram uma geração 20 anos depois". E vai de ouvir "Here comes you're man", Pixies, seguido do refrão de Lloyd Cole "She's got a perfect skin", o que me deixou baralhada e confusa. A 120, alcochete lisboa, músicas que marcaram uma geração, que me desfocam o momento, que fazem a (minha tão necessária) ponte entre ficção e realidade, entre ficção e emoções. "Emotional rescue", Rolling Stones?, já nem sei... "Anzol", Rádio Macau, mesmo à entrada de Lisboa. E as outras todas de seguida, que a memória apagou, mas que no momento me surgiram como sinais para interpretar, como soluções perfeitas, como perguntas sem resposta, como puro divertimento.

Hoje de manhã, Antena 3, 100.3, "a melhor rádio do mundo", de novo "Here comes you're man", Pixies. Endireitei-me no assento, cantei, aceitei a repetição, reconheci a ironia e pensei "xiça, a banda sonora é mesmo boa, é pena ser tão explicativa/ilustrativa do que acontece. Podiam ser mais subtis".

terça-feira, setembro 13, 2005

Convidado sem blog - Dora Capinha

É dia 13. Já não há Conversa. Há Convidado sem Blog. Este mês, a nossa leitora (não comentadora) e grande amiga Dora Capinha abre este novo espaço do nosso Naperon, sem censuras só liberdade. Obrigada pela disponibilidade.

Não se pode dizer que não tenha tido tempo. Depois daquele primeiro jantar antes de férias, ainda houve o sms a confirmar – estava na praia ao sol e tudo me parecia maravilhoso – e depois o telefonema, já em Lisboa… E eu sempre a dizer que sim, mesmo quando me estenderam a mão amiga, feita possibilidade de sair enquanto podia... Mas não, que gostava muito, que honra, que prazer. E aqui estou, em cima do prazo e insone, porque deixei para amanhã e depois e depois o que poderia ter feito ontem, ou, no caso, até mesmo o mês passado…
Bem sei que os blogs são espaços de liberdade, de comunicação com o mundo, o sítio certo para deixar reflexões e mensagens para essa entidade filosófica que é o Outro, mas eu sou uma rapariga prosaica, gosto de telefone, emails e cafés na esquina, não tenho nada a comunicar ao mundo e não me parece que o Outro, provavelmente inteligente e sensato, esteja interessado em saber o que é que me apetece para o jantar.
No entanto, como recusar alguma coisa ao naperon.blogspot? Não foi só o medo de repercussões físicas (quem as conhece sabe do que falo), foi a gentileza de retribuir ao blog aquilo que o blog faz por mim, mantendo-me informada sobre as minhas caras amigas (não, a sério, foi o medo de repercussões físicas).
Por que tipo de post quero ser lembrada (no caso, esquecida)? Ligeiro, denso, extenso, pretérito, pretenso? Falo do país, do Katrina ou de mim? Que pena não estar na primária e isto ser a redacção das férias…
«As minhas férias foram boas. Este ano estive na praia com duas amigas, num sítio estrangeiro. O tempo estava bom e brincámos muito ao ar livre. A praia era limpa e o mar tinha peixinhos. Andámos de barco e fizemos amigos. Um dos amigos tinha um bar e oferecia-nos limonadas…».
Bom recomeço.


Dora Capinha

por lapso, enganei-me no texto. De seguida, temos a segunda investida da nossa convidada. Talvez a verdadeira redacção de férias... peço desculpa à Dora.

Trinta carinhas sentadas duas a duas. De frente, o quadro preto escrito a giz. O quadro é tão grande que parece impossível escrevê-lo de ponta a ponta. A luz amarelada, que vem de fora, coada pelas janelas velhas (as janelas estão do teu lado direito, a mão mais próxima da janela é a tua mão direita), faz uma espécie de foco que espalha luz e poeira sobre a parede onde está o mapa. Os cabelos, quase todos escuros, brilham mais desse lado. Há lápis novos em cima das mesas, os estojos, alguns, já estão riscados, as mochilas descansam perto da cadeira.
Lisboa, 13 de Setembro de 1982. Redacção. O tema é o das férias – é sempre – embora aqueles trinta ainda não o saibam. Começam ansiosos uns, desanimados já outros, por não encontrarem o que contar, ou só porque desaprenderam aquela palavra mais difícil do ano anterior. Três meses, três meses cheios de dias, cheios de manhãs e tardes, correrias, carros e bonecas e lanches de pão com manteiga. Não é assim tanto, para quem há ainda só um ano os ocupa com sílabas, somas e picotados pelos contornos.
Os meninos que têm terras escrevem sobre elas, sobre os caminhos de pedra, os banhos de regador, as galinhas, os avós vestidos de escuro. E é sobre isto que escrevem, ainda que escrevam outras coisas. Os outros escrevem do que se lembram.
Havia ovos estrelados nas minhas férias, feitos pela avó, sempre que não me apetecia comer a sopa. E bolos com massa de azeite, salvos por um ai! de ficarem queimados no forno.
Aprender a ler salvou-me da solidão nas escadas vazias viradas para a rua e a romaria do Senhor do Calvário, múltipla de primos, primas, bifanas e línguas da sogra deixou de ser obrigatória. A minha avó envelheceu, sou eu que lhe aqueço o leite e adoço com chocolate. Mas volto todos os anos, para ter a certeza de que foi Verão.


Dora Capinha

segunda-feira, setembro 12, 2005

O poder do intelecto

Ontem, fui com uns amigos (novos e bons hábitos de domingo) ver este filme. No final, tecemos considerações acerca da fotografia, da realização, algumas teorias acerca da luta de classes presente no filme, Freud e a religião, as paisagens de Inglaterra, and so on.

Mas, no fundo, no fundo, estávamos éramos todos a pensar nas maravilhosas cenas de sexo.




(Para não nos julgarem púdicos, obviamente falámos sobre isso.)

domingo, setembro 11, 2005

Memória pessoal vs. Memória "global"

Assisti à queda das Torres em directo de um café na Rua S.Filipe Nery, ao Rato. Foi há quatro anos. Na altura, trocava mensagens flirtosas com alguém que viria a tornar-se a minha relação amorosa mais duradoura. Lembro-me de estar ao balcão e de ver o segundo avião a atravessar-se. Não sei o que tomava, talvez café. Afinal a que horas é que foi? Associo o 11 de Setembro à incredulidade. Não acreditava que tal fosse possível. Não acreditava também que pudesse voltar a apaixonar-me tão cedo.
Entretanto, tantas coisas se passaram no mundo. A guerra, mais terrorismo, mais regras, catástrofes naturais, mortos e mais mortos. Imagens e imagens e imagens impressionantes. Duvido que, depois daquelas, tenha havido outra mais surpreendente, mais espectacular, mais abaladora das nossas crenças.
Entretanto, não me reconheço nessa pessoa de há quatro anos atrás. E tudo o que me aparece agora parece mais rico, menos "espectacular", mais verdadeiro. Há quatro anos atrás, o mundo mudou, era o que diziam. Eu não fazia ideia do que isso queria dizer, a mudança.
A queda daquelas Torres foi muito mais que uma imagem, embora só a partir dela, pudémos construir tudo o que está para além dela.
Hoje valorizo imensamente a queda das crenças, que por instantes julgámos inabaláveis. Quando caem, destroem tudo o que acreditávamos, e vemo-las como ilusões. Meras ilusões. Ficamos mais fortes, mais verdadeiros, embora temporariamente mais perdidos, à custa dessa destruição.
As Torres caíram. Que ilusões tombaram no mundo? Cenários inacreditáveis tornam-se mais prováveis, como em New Orleans. Mas não perdemos a capacidade de chocarmo-nos. E ainda bem. Porque quer dizer que há ainda algo que valorizamos acima de tudo.
Eu, apesar de tudo, ainda me choco. Ainda me surpreendo. Quer dizer que estou viva. Assim como o mundo, mesmo em destruição.
À custa de quê? E quanta destruição, em mim e no mundo, será mais necessária? Haverá novas Torres no mundo, provavelmente. Em mim, duvido.

sábado, setembro 10, 2005

Post a piscar o olho ao flirt V

Malhas caídas

Não me interpretes mal,
Não troques os sinais
Tu sabes que no fundo,
Bem lá no fundo, somos todos iguais:
Malhas caídas,
Esperança e pouco mais

Não me interpretes mal,
Não me queiras julgar
Sabes que a solidão
Deixa a razão fora do seu lugar:
Malhas caídas,
Pontas por apanhar

Vá, afasta esse olhar
De quem nunca viu uma mulher
Pronta pra dar
E pra tirar tudo o que quer

Vá, rasga-me a roupa,
Salta esse muro
Pelo passado,
Pelo futuro,
Porque nós somos do mesmo lado
Escuro

Não me interpretes mal,
Somos iguais na dor
Tu vais ver que, afinal,
Basta uma chama, um pouco de calor




João Monge
Música de Manuel Paulo

cantada por Manuela Azevedo

Expressões que definem uma cultura VI

Nunca mais é sábado.

sexta-feira, setembro 09, 2005

Sinal de maturidade? II

Já consigo ter fantasias (de todo o género) sem achar que estou a prender-me a uma teia ilusória da mente.

Sinal de maturidade?

Já consigo ter pensamentos pérfidos, nefastos, destruidores e, em vez de os afastar rapidamente da mente, divertir-me com eles.

quinta-feira, setembro 08, 2005

Conversa com o dermatologista

Eu - E além disso, há este problema com as borbulhas...
Sô Dr. - Ah pois, isso é acne juvenil.
Eu (insultada) - Mas eu não sou assim tão nova.
Sô Dr. - O que é que quer que eu lhe diga? Que é da idade avançada?
Eu (indignada) - Mas... mas... Eu tenho 28 anos e nunca tive acne na adolescência.
Sô Dr. - Então pronto, não é acne juvenil, é acne senil. Está bem assim? Agora vai fazer...


Até que enfim um médico com piada. Foi a consulta mais divertida que tive na vida.

BEM VINDA!!!!!!!!!!!!!!

Agora é que vão ser elas!

quarta-feira, setembro 07, 2005

Desblogando-nos

Hoje almocei com (ablogad)ela.

Tudo começou com uma falha literária da Ana. Serviu-me (nos?) como pretexto a falha para colmatar esta outra falha da vida, que nos faz cruzar pelas pessoas e não as agarrar no momento certo.

Levei um livro manchado de vermelho, em vez de um limpinho. Nem dei conta até olhar para ele e perceber. Pobre capa, tão bem realizada pela minha boa amiga. Mas, afinal, que se dane, são só palavras e (ablogad)ela insistiu em ficar com o defeito. É sempre raro encontrarmos o defeito e gostarmos dele, antes do defeito ser valorizado pelo mundo todo e transformar-se em virtude.

Blogámo-nos ao almoço e depois conseguimos desblogar-nos. E é bom quando se desbloga, quando se pensa que só se está blogado com alguém. Era só isso afinal que tinha para dizer. Gosto d'(ablogad)ela desblogada, tanto ou mais (acho que mais) do que blogada. Foi obviamente um prazer estar com (ablogad)ela.

Disponibilidade só funciona com reciprocidade, palavra mágica da psicologia.

terça-feira, setembro 06, 2005

6:30 da manhã

Gosto de aeroportos. Gosto de partidas e chegadas. Reconheço a dor, a satisfação, a expectativa, a ansiedade, a pretensa indiferença.
Gosto do melting pot. De os voos serem misturados. De haver turistas e haver regressados. De haver imigrantes e executivos. Gosto de ver chegar, de partir, de voltar. Até gosto de me despedir de alguém que parta, porque se sente e como é bom sentir.
Mas quem parte ou chega, está distraído, está embrenhado na viagem. Quem espera ou quem se despede, está concentrado apenas naquele momento. Não tem referências a não ser o tempo antes e o tempo depois.

Hoje fui ao aeroporto, bem cedinho, surpreender os meus cubanos. Cheguei atrasada, mas mesmo assim antes de tempo. Encontrei outro esperante e lá ficámos os dois a olhar para a porta a ver quando chegavam. Ao meu lado, ele estava mais nervoso. Afinal, era um novo amor que voltava e ele estava lá desde as 7 da manhã. Eu estava bem descontraída e a hora madrugadora só mais tarde se revelou no meu corpo, agora mesmo enquanto escrevo isto. Ficámos a olhar para a porta, dizia eu, a ver se eles enfim chegavam.

É sempre fantástico ver as pessoas chegar. As que não têm ninguém à espera, as que olham à volta a ver se encontram alguém, os que esperam que acenam sem sucesso imediato, os que chegam em família e vê-se logo quem é o pai, quem é a mãe, o irmão mais velho e a mais nova também ali, os casais, os apaixonados e os outros, as senhoras da limpeza a transportar carrinhos com lixo e vassouras, os seguranças, tudo ali naquela porta, em que passam, passam, passam. E os nossos parecem sempre os últimos mas, depois deles, a dinâmica vai continuar, sempre gente a passar, a passar, a passar.

Gosto do abraço apertado que se dá quando de repente eles chegam e, afinal, que longe que estiveram. Tão longe que até, afinal, é outro mundo. Um mundo que entra e que não sai mais. Gosto como o tempo no aeroporto não é de todo o tempo real. É outro tempo, lento, rápido... excepcional. Gosto dos encontros por acaso, um primo e a mulher que vêm também da América Latina, mas mais acima (?), do México, e com muito mais bronze. Gosto da iconografia, da t-shirt do Che, até ao boné verde e à boina preta. Gosto que falem sem parar, todos ao mesmo tempo, que estejam excitados, cansados, tristes e felizes. Gosto do olhar cúmplice com quem esteve o tempo todo cá, como quem diz estamos fora, mas eles também. Gosto do facto de quem chega não ter dinheiro, dinheiro que valha. Gosto que perguntem pelo mundo, por Portugal, por mim. Gosto de saber tudo, assim ao mesmo tempo, que é quando tem mais piada e metade nem se absorve e metade nem se sabe que se disse.

Mas principalmente gostei de ter ido buscá-los ao aeroporto, gostei que voltassem e gostei de tê-los surpreendido, dando-lhes um novo ânimo para a chegada. Gosto de tudo nos Encontros e Despedidas. Até da tristeza da canção da Maria Rita e cuja letra vos deixo aqui abaixo num comment.

segunda-feira, setembro 05, 2005

Vida de cão

Tenho cães como vizinhos e nem o desejo ao meu pior inimigo (que não faço ideia quem seja, mas todos os super-heróis devem ter um, por isso...).

Na Graça, vivem três cães, à partida adoráveis e pequeninos, mas que no fundo são filhos do demo concebidos para me aterrorizar. Os cães, vizinhos de cima, às vezes estão dentro de casa, outras vezes estão no pátio em frente ao da minha casa. Ora, quando estão em casa, aquelas patinhas delicadas e queriduchas passeiam-se de um lado para o outro como se não houvesse amanhã, enlouquecendo-me a meio da noite. Às vezes também decidem ganir, ladrar, às 3 da manhã, fazendo com que a vizinha do outro lado da rua, chanfrada da cabeça, chame a polícia, armando um regabofe tal que me deixa catatónica durante algumas horas da madrugada. Quando estão no pátio, o cheiro infesta-me até aos miolos, provocando-me náuseas sobre-humanas. Tudo isto porque a sua adorável dona, minha vizinha, passa grandes temporadas fora, deixando os cães, ou ao relento ou na claustrofobia. Imagino o interior daquela casa como uma enorme pocilga. A ver pela quantidade de vezes que se lavam tapetes naquela casa, deixando-os pendurados, a casa deve ser apenas dos cães. Podíamos pensar: é uma boa dona, afinal ofereceu uma casa aos cães. O que eles ladram, o que eles ganem, o que eles uivam, não corrobora, infelizmente, essa teoria.

Na casa dos meus pais ao pé da Ericeira, vivem meia dúzia de cães como vizinhos. Esses não têm casa, apenas galinheiro. É verdade, aqueles cães, supostamente de caça, vivem num galinheiro. Os que aí não vivem, têm as suas próprias casotas e estão acorrentados sem grande espaço de manobra. Em todos estes anos, nunca vi os cães saírem dali. Pobres coitados, os cães ladram raivosos quando alguém passa. Os carros ficam ao seu lado e é sempre terrível a chegada, pois 6 cães a ladrarem histericamente não é a melhor recepção. O cheiro é semelhante aos dos cães da Graça, mas muito pior.

Há dias em que me apetece abater os cães. Mas embora sejam o objecto directo da minha raiva, sei bem que são apenas a expressão do carácter dos seus donos. Os pobres cães não têm culpa nenhuma. Falta-lhes condições e atenção. São tratados como bestas ou como bibelots girinhos para afagar de mês a mês. Estes donos, os meus estranhos vizinhos, não passam de uma anormal forma de ser humano. Chamam-lhe normalmente comportamento desumano. E, estranhamente, só é aplicável a humanos.

Com uma vida assim, a expressão vida de cão ganha um novo significado.

Terapia existencial

Sou uma gaja de filosofia. Eu bem tento esconder, anular essa veia monstruosa do meu ser, mas ela lá anda e, de vez em quando, aparece-me. Às vezes, é uma coisa pesada e pesarosa (deprimente q.b.), mas outras vezes vem sobre a forma do humor (a minha sorte) e tudo se revolve com ironia, algum cinismo. Tudo conceitos filosóficos de raiz, lá está.

Desta vez, a filosofia veio a um domingo, sob a forma do humor, num filme muito divertido: Psico-detectives. Não se deixem enganar pela tradução manhosa, nem pelo teor do site oficial. É mesmo um filme brilhante, que puxa pelo absurdo, mas principalmente por diversos pontos de vista filosóficos.

No filme, existe uma dupla de detectives que, em vez de psicos como define a tradução, são existenciais. Essa ideia, absurda e genial, nasce da necessidade humana de procurar respostas para a existência. A dupla de detectives toma o teu caso e estuda-o até levar o cliente a encontrar a resposta que precisa. O mais interessante é que o caminho só pode desembocar na perspectiva do mundo dos tais detectives. Como qualquer método de terapia psicológica, os condutores (ou orientadores) do trabalho sabem qual o lugar em que o paciente deve chegar e só tem de estimular e orientar o caminho para lá chegar.

Como dizia, eu sou uma gaja de filosofia e, como tal, a minha formação é avessa à psicologia (que, entretanto, pelas circunstâncias me conquistou para o seu lado). Nessa aversão, nasceu a ideia (já aplicada, parece-me, mesmo em Portugal) de fazer terapia existencial. Em vez de procurar respostas psicológicas para a existência, procurar respostas metafísicas. Para mim, a dificuldade dessa ideia era o método: qual o método a aplicar em cada paciente? Não poderia ser uma mera conversa, pois isso nem em psicologia funciona. Agora, com este filme, descobri: é um método policial. Investiga-se a vida da pessoa até à exaustão, espia-se o dia-a-dia, envolve-se em tudo o que faz, gera-se confusão, vira-se tudo ao contrário... e, enfim, tem-se o resultado. Pois, tal como na psicoterapia, o importante é destruir o que se toma por adquirido.

Elogio do fetiche

Eu Quero Enfeitar Você

Eu não quero esse poder
Toma ele pra você
eu só quero cantar, gozar e gastar da vida
Eu só quero um cafuné e
cobertor de orelha fixo, nesse inverno tão rígido
fingir que acredito em você

Eu quero enfeitar você,
Eu quero enfeitar você,
Eu quero enfeitar...

Eu só quero me perder
Eu não quero esse poder
Chamar o sapo de príncipe
Como eu e você de manhã
Quando tudo parecer estar quase perdido
que foi quase esquecido, que não é mais minha maçã
hum...
Eu só quero um cafuné e
cobertor de orelha fixo, nesse inverno tão rígido
fingir que acredito em você

Eu quero enfeitar você
Eu quero enfeitar você
Eu quero enfeitar...

Eu quero enfeitar você
Eu quero enfeitar você
Eu quero enfeitar...


Vanessa Da Mata

domingo, setembro 04, 2005

Expressões que definem uma cultura V

Só me saem é duques.

sexta-feira, setembro 02, 2005

A Festa

Começou e eu, este ano, não vou!

Costumo ir com quem está neste momento a beber mojitos não na barraca de Cuba, mas na própria da Cuba.

Não há festa como esta e, para prová-lo, Ana Brandão (uma das nossas mais maravilhosas cantoras) e Carlos Bica dão concerto hoje. E, como se não bastasse, a melhor banda do mundo toca lá amanhã (sim, os Clã voltam). Claro, há ainda Setúbal para comer marisco e comprar Moscatel, o Algarve e Aveiro para comer doces, Lisboa para as imperiais, eu sei lá... um banquete geral pelas gastronomias "comunistas" de Portugal!

Viva a Festa mais festeira. Sempre, sempre com a carvalhesa para dançar! Avante!

Sobrevivência

Com cenários destes, voltamo-nos a perguntar pelo valor das coisas, pelo mundo que habitamos, pela capacidade de sobrevivência.

Eu penso sempre como seria sobreviver assim. Onde assentaria as minhas acções? Que posição tomaria? Sobreviveria a custo de quê?

Cada vez mais, a Natureza ataca, os fundamentalismos também, e no final o rosto humano mostra-se sempre, na sua verdade mais limite. Assume a face da violência, da resistência, do sofrimento, da generosidade - revela o melhor e o pior. E a esperança, quando fica em quem sobrevive, é a mais pura expressão de fé e a maior das forças humanas, parece-me.

Por nunca te ver

Por ter sonhado, mais uma vez, contigo esta noite.
Por ter estado ontem perto daquele jardim.
Por te saber já tão fora daquilo que quero ser.
Por ir começar a Festa do Avante.
Por ter repetido o teu nome proibido duas noites seguidas.
Por o Verão estar a acabar e nunca termos ido à praia, como tanto desejavas.
Por já não te querer.


Por tudo isto e muito mais... hoje de manhã, ouço o Cantada da Calcanhotto.

Bravo Manso!

Este homem é um dos melhores contadores de histórias que conheço. Vive-as como literatura, parece.

Ontem proporcionou-me um grande serão. Quase me levou às lágrimas com uma história bonita. Deixou-me suspensa à espera de um desfecho tangível para um sonho. Fez-me rir! Deu-me uma lição de engate. Pôs-me no meio de recordações.

Este Manso está bravo, merece um bravo, com confiança. Um reencontro com um homem diferente do que em tempos conheci. Muito mais belo, mas sempre com o mesmo carinho e generosidade.

O tempo, a dor, a vida, fazem-nos bem.

quinta-feira, setembro 01, 2005

Elogio da Amizade

Espectáculo

Quando
tu me vires no futebol
estarei no campo
cabeça ao sol
a avançar pé ante pé
para uma bola que está
à espera dum pontapé
à espera dum penalty
que eu vou transformar para ti
eu vou
atirar para ganhar
vou rematar
e o golo que eu fizer
ficará sempre na rede
a libertar-nos da sede
não me olhes só da bancada lateral
desce-me essa escada e vem deitar-te na grama
vem falar comigo como gente que se ama
e até não se poder mais
vamos jogar

Quando
tu me vires no music-hall
estarei no palco
cabeça ao sol
ao sol da noite das luzes
à espera dum outro sol
e que os teus olhos os uses
como quem usa um farol
não me olhes só dessa frisa lateral
desce pela cortina e acompanha-me em cena
vamos dar à perna como gente que se ama
e até não se poder mais
vamos bailar

Quando
tu me vires na televisão
estarei no écran
pés assentes no chão
a fazer publicidade
mas desta vez da verdade
mas desta vez da alegria
de duas mãos agarradas
mão a mão no dia a dia
não me olhes só desse maple estofado
desce pela antena e vem comigo ao programa
vem falar à gente como gente que se ama
e até não se poder mais
vamos cantar

E quando
à minha casa fores dar
vem devagar
e apaga-me a luz
que a luz desta outra ribalta
às vezes não me seduz
às vezes não me faz falta
às vezes não me seduz
às vezes não me faz falta.


Sérgio Godinho

Ontem jantei com a minha boa amiga

E que saudades, que saudades!

Para quem quer saber, a Sandera está óptima, com uma bela e proeminente barriga. O pequeno Henrique lá anda.

Um dia destes, faço uma sestinha em homenagem aos dois.